Mein eerst besuch naar Amsterdam
Cheguei com D. de comboio durante a tarde.
Provínhamos de Utrecht cansados, comentando o típico nacionalismo holandês que parecia colidir de frente contra essa imagem que há muito nos era projetada, a de este ser um pais liberal, onde quase tudo era permitido. Talvez essa excessiva "liberdade" esteja a tornar-se progressivamente um "pau de dois bicos" e as pessoas estejam por sua vez lentamente a tornar se mais conservadoras.
Tudo isto, simplesmente, por causa de um tipo que tinha acabado de passado por nós, todo equipado com as três cores nacionais holandesas. Segundo D. era normal algumas pessoas vestirem-se assim, sapatos vermelhos, calções azuis e camisola branca por exemplo.
Eu sorria sarcasticamente, enquanto ouvia esta observação, nunca parava de surpreender me com todas essas idiossincrasias de cada povo, mesmo depois de vários dias seguidos a conviver com diversas culturas.
A meu ver para o artista todo o processo de procura sempre foi essencial, não digo nada de novo com isto, a vida imita a arte e vice-versa, construindo-se a partir daí um número mais elevado de recursos nos nossos discursos criativos. Quanto mais limitada for a enciclopédia mais limitado ou restrito será o discurso.
Daí não conseguir mais inserir me num "nicho" em particular, seja no mundo "metaleiro" pois de apesar de continuar a gostar imenso de metal ao contrário de muitos não saí da barriga da minha mãe a ouvir Venom nem Celtic Frost, cresci a ouvir Beatles, Guns n ' Roses, Nirvana etc...
Essa postura mais conservadora e limitadora (ou elitista) pode funcionar para um grupo restrito de pessoas, mas para isso é necessário haver alguém a querer integrar-se, quando vêm com tretas e elitismos para cima de mim a tendencia é afastar me. Já não há paciência.
O essencial é poder extrair-se conhecimento através da experiência criando ao mesmo tempo formulas que permitam expor essas mesmas experiências, ser se artista a meu ver é precisamente tentar descobrir a formula adequada para poder partilhar de forma vívida um testemunho dessas experiencias para a eternidade (...)
Nos anos de adolescente confesso que passava muitas noites em claro - não é que agora durma melhor, pois o sono agitado já há alguns anos que me é característica comum. Normalmente depois de acordar deslocava-me quase sempre até à varanda do meu quarto passando horas e horas a tentar ver algo mais além de toda a realidade que me era projetada pelas luzes das casas em redor. Muitas vezes nem uma única luz acesa havia, todos estavam dormindo e nada havia ali que permitisse ter uma melhor visão do mundo. Com isto dava por mim a divagar mentalmente entre eras anteriores - como a época dos finais do séc. XIX, a época dos dandy's, dos poetas malditos e de toda uma imensidão de movimentos artísticos (Surrealismo, Dadaísmo, etc). Quando não havia televisão todos os pilares culturais eram sempre mais exigentes, não defendo com isto elitismo ou presunção pois sempre detestei emproados e snobs. Apenas gostaria que houvesse mais curiosidade entre as pessoas, não apenas acerca do privado das pessoas mas sim sobre os seus interesses em particular, o desejo de partilha de música, que livros leram etc...em suma que desejassem sair mais vezes dos nichos culturais a que se habituaram e principalmente dos ambientes de "tasca" com todas as suas picardias futebolísticas (que gasto de energias e de tempo, quando se poderia discutir algo mais produtivo) tudo aquilo a que se pode de chamar "zonas de conforto" atrancadas a um determinado meio social.
Criarmos "ondas de choque" seja através do conflito e provocação é sempre um mal necessário. Tem que haver sempre um maluquinho qualquer a jogar-se para o "front line" como que bode expiatório para a degola, pois só assim todos os nichos serão confrontados com outras realidades distintas e discordantes. Viver em sociedade é saber coexistir e conviver com a diferença e saber que necessariamente o outro não terá que estar impressionado ou sequer interessado em tudo aquilo fazemos ou tomamos com certo ou errado.
Importa deixar claro que somos um precipício de mundos - mundos esses de que apenas revelamos pontas do iceberg...tirar conclusões precipitadas e castradoras acerca do outro apenas demonstra as nossas próprias limitações, não a pessoa em questão.
Sim meu caro, é apenas para ti mesmo que tu estás a apontar o dedo. Não me conheces o suficiente para me julgares seja do for.
Foi este o meio que me foi dado neste mundo para se poder viver e digo isto principalmente em relação ao aspecto familiar, visto que a minha família é quase toda originária de uma pequena aldeia do interior alentejano, onde raras são as pessoas que têm mais do que a 4 classe. O facto de eu poder ter chegado a tirar um curso já poderia por si só ser visto aos olhos de alguns como privilegio, só que ninguém sabe ao certo como lá cheguei, os sacrifícios necessários etc.
Talvez seja aqui que o povo português fica muitas vezes a dever em comparação com outros países mais evoluídos, não é só a sua incrível falta de solidariedade com o próximo, a incapacidade de se elogiar alguém...é a incapacidade de entenderem que nem todos têm o mesmo background familiar o que por consequência influencia sempre o núcleo de amigos que se aglomeram em nosso redor ao longo dos anos.
É a total falta de empatia e incapacidade de se conseguirem colocar no lugar do outro, ver como certos obstáculos condicionam e em vez de estender a mão, são ainda capazes de usar isso como beneficio próprio, só age assim quem normalmente se interessa demasiado por "status" ou lá o que isso seja...pois sabem igualmente de uma forma inconsciente que muitas vezes esses mesmos "status" foram sendo alcançados mais à custa de ajudas e favores do que mérito próprio.
A meu ver esses é que são os verdadeiros parasitas, não os que apenas procuram o seu espaço sem que para isso tenham que se prostituir ou venderem as suas almas.
Creio que importa, no entanto, sempre reforçar e realçar a importância das pessoas tentarem comunicar, a (re)pensarem tudo o que sempre tomaram como certo de forma a que se possa eliminar divergências e a privilegiar se a partilha.
Libertar o "solar plexus" como diria certamente um entendido nas matérias de Yoga.
Retornando ao início do texto, se pudesse voltar atrás no tempo, eu retornaria até mesmo ao período da civilização grega para ver como todos os princípios civilizacionais foram deturpados ao longo dos séculos.
A televisão e os média provocam atualmente em nós o mesmo efeito reversivo que a igreja provocava nas pessoas da idade das trevas mas a verdade é que por vezes o sistema parece estar prestes a arrebentar pelas costuras, as pessoas não aguentam mais. Podemos talvez assim estar prestes a entrar numa nova era com o finalizar anunciado da antiga, na forja de toda uma nova "civilização grega" em que seja possível reaprender de novo todos os princípios básicos de uma civilização.
De volta a Amsterdam, durante a tarde junto ao Damrad D. mostrou-me onde se podia alugar bicicletas a um preço relativamente acessível a melhor maneira de conhecer esta cidade era de facto andar de bicicleta e interagir com os locais, a bicicleta holandesa tem uma estranha forma de se guiar. Para se travar é preciso pedalar ao contrário o que pode causar alguma confusão ao início, houve uma vez por isso mesmo que estive quase a bater num carro enquanto saía do Vondelpark. Trazia um pouco de erva que tinha comprado num coffe-shop onde trabalhava uma bonita mulata com o seu penteado à Bettie Davis que com a sua voz tranquilizante recomenda a experimentar Sensimilla. Sentei-me no coffe-shop aonde era o único cliente, tratava-se de um espaço igualmente agradável assim como a música e tal como a voz da "Bettie". Tudo isto levava-te facilmente a fluírem, permanecia sentado com a cabeça e as costas encostadas na parede, olhos semicerrados mantendo um sorriso tranquilo para a empregada e todo o mundo de repente me parecia de facto um lugar melhor naquele momento. Encontraria alguma paz de espírito também no dia seguinte, estava deitado na relva do Vondelpark e enquanto enrolava mais um joint daquela sensimilla ( compraria mais para levar) seguia observando uns músicos de rua a tocar, desta vez dois instrumentistas de sopro e uma cantora de baixa estatura, carismática e com uma voz vibrante que conseguia superar todo o frenesim das pessoas que por ali passavam, umas de bicicleta outras a passearem os seus animais. Foi ali que encontrei o meu momento de paz no caos de Amsterdam. Estive hospedado numa pousada cristã chamada The Shelter que era a mais barata das pousadas na cidade que tinha conseguido encontrar numa lista de pousadas. Um tipo húngaro que lá trabalhava, com o seus cabelos compridos e o bigode igual a Átila o Uno, metia-se constantemente comigo perguntando-me de onde era, isto enquanto estava sentado na parte de cima do meu beliche tentando ler um livro qualquer que não me recordo agora. Na noite antes tinha estado a ver um jogo qualquer do Ajax no Hill Street Blues Bar, com 2 americanos que não percebiam nada de futebol europeu, no meio da confusão do bar íamos tentando entender o que é que distinguia o futebol europeu do futebol americano. Já bastante embriagado e ainda stoned mas com nítidas dificuldades em manter o controle cheguei assim à pousada, a recepcionista polaca que conheci durante a tarde quando resolvi enviar postais para o Ivo (o tipo do norte que tinha conhecido durante a minha estadia em Barcelona).A recepcionista após uma breve conversa resolveu dar-me um livro qualquer , tipo “O Sentinela” em Portugal que apregoava entre outras coisas à importância da família, ajudar os “ceguinhos” a atravessar a estrada, etc...sempre afável no trato via-se que se esforçava por manter uma postura imaculada, sorria timidamente e em desaprovação cristã cada vez que eu lhe falava em algo que a poderia querer fazer desencaminhar. Foi nítido o seu olhar de reprovação para a colega, quando ambas me viram chegar nessa noite e no dia seguinte o estranho rapaz húngaro só se limitava a sorrir para mim e a dizer com o seu sotaque dos cárpatos "You're crazy,you´re crazy...we needee to go oute man, have some drinks go to the girrless...man you're crazy" dizia me ele enquanto arrumava as toalhas nos restantes beliches do quarto. Nunca cheguei a sair com o "Átila" pois a partir daquela noite resolvi distanciar-me das pessoas da pousada, No entanto na sala comum onde todos costumávamos tomar o pequeno almoço gostei de conhecer um estudante de arquitectura de San Diego que me falou bastante sobre a costa californiana e descrevendo me o famigerado Big Sur (parte da Costa Californiana que aparece descrita nos livros de Henry Miller e Jack Kerouac) gostei também de um rapaz africano, dos Camarões, muito bem disposto, com um sorriso radiante do tamanho do mundo, tivemos o nosso belo momento de conversa enquanto ouvíamos Bob Marley No seu mp3 e cantarolávamos para um grupo de teenagers americanas que estavam ali sentadas. Sentado, e muito atento a tudo, estava também um rapaz da República Dominicana, depois da conversa com o americano ambos começaram-me então a fazer perguntas sobre o meu país ao que eu ia respondendo com entusiasmo. A partir de determinado momento eles já não pareciam interessados no que dizia, apercebendo-me de tudo isso, nem por isso conseguia resfriar o meu discurso, já que as americanas pareciam por sua vez estar atentas e sorridentes a tudo ao que eu dizia. A noite de despedida em Amsterdam nos planos estava a ida a um concerto da banda belga dEUS no salão de concertos Paradiso, só que infelizmente quando já estava tudo nas filas à espera do concerto, o mesmo seria cancelado à ultima hora devido a problemas de garganta do vocalista, antes de regressar para a pousada e enquanto passeava-me pelos canais pela última vez um vagabundo começou a cravar-me trocos, tentando mostrar-se mais poliglota do que realmente era, acabei por não ceder aos seus constantes e quase insuportáveis pedidos, quando pensava ter me visto livre dele, sentei me num banco perto do Damrad para enrolar um cigarro, eis que outro tipo ainda mais estranho que o anterior limitando apenas a sentar-se mesmo ao meu lado, calado com um sorriso, sem proferir uma palavra, só sentia a sua respiração quase suspensa e atenta a mim...a paranoia da erva dos coffeshops fazia sentir se mais nestas ocasiões e por isso levantei-me imediatamente.
Durante o último dia assisti a um despejo de uma casa de okupas com todo o aparato da polícia de choque, com os escudos, bastões e capacetes em contraste com um grupo de cerca de 20 anarkas magrinhos que se limitavam a fazer gritos de ordem, isto tudo com os média a tentarem não perder pitada e um helicóptero sobre visionando toda a operação através do espaço aéreo. Achei tudo aquilo ridículo e quase surreal para um país que tanto vendia a imagem de liberal e permissivo, com talk shows em horários nobres, em que várias personalidades da televisão experimentavam todo o tipo de drogas existentes, relatando depois os efeitos em directo, um verdadeiro prato de estupidez servido pelos média holandeses, em que as “vedetas televisivas" serviam de cobaias, tudo transpirava a hipocrisia e a máscara do controle policial caía ali naquele preciso momento, o que fazia me aperceber de que Amsterdam apesar de ser uma cidade fascinante, a Veneza do Norte como alguns a chamavam, não era exactamente o reino dos "Paraísos Artificiais" que idealizamos durante a adolescência.
A aventura terminou quando optei por ir para o aeroporto por volta das 03h00 da manhã terminando assim com os meus quase dois meses de viagens, na minha mente já não pensava sequer em português, transportava comigo uma miríade de rostos e idiossincrasias , sentia-me forte pois havia sobrevivido a tudo sempre com poucos meios. Perfeita seria igualmente a companhia no avião para Faro. Era um feriado importante na Holanda e existia habitualmente um número razoável de holandeses já de uma certa idade que se deslocam nessa altura ao nosso país, atraídos pela qualidade da vida rústica do turismo rural das vilas alentejanas. Entretanto o senhor que se sentou a meu lado era médico sem fronteiras e foi-me partilhando algumas das suas histórias e experiências de vida que como viveu por exemplo na altura o tsunami na Tailândia. Esta última viagem passou-se fugazmente e despertou-me para a importância da medicina nas nossas vidas e como felizmente para nós continuam existindo estas pessoas, sempre predispostas para ajudar, os verdadeiros "bodhisattvas" entre as pessoas, benditos sejam então, se não fosse o facto de eles também viverem entre nós muito provavelmente já não existiria mundo.
Obrigado.