Para além disso já tinha começado a ensaiar como baixista numa outra banda que nunca avançou.
Um dos motivos pelo qual fiquei reticente eram os riffs do Félix que na verdade achava enfadonhos na fase inicial, embora reconheça que o rapaz nunca rejeitou a responsabilidade de tomar conta das rédeas da banda tornando se o principal mentor da mesma, let's say it...tendo em conta a sua maturidade fora do vulgar, pois as duras circunstancias da sua vida haviam-no forçado a deixar a escola cedo para ir trabalhar, era a pessoa mais habilitada para tal sem dúvida. Como que um irmão mais velho e maturo de 3 tipos que ainda nem sequer tinham atingido a maioridade. Penso que o João Reis teria o quê?! 14 anos na altura.
E só de pensar que o tipo nem conseguia acertar com os riffs ao inicio.
Mas de alguma forma todas as "duras" que o outro João (Branco) lhe dava às vezes, mexeram com ele, tanto que se inscreveu nas aulas de guitarra com o mestre Tuniko Goulart. O toque do virtuoso professor de guitarra brasileiro faria se sentir apenas numa questão de meses. E a evolução de JR seria brutal.
Mas, o que mais me revolva ao fazer uma retrospectiva desta banda é que quando entrei e nem levava a coisa a sério ainda, foi paradoxalmente quando demos o maior número de concertos, todos iam nos ver e nos apoiavam...e na verdade não tocávamos um caralho.
Todos os membros da banda, ao inicio simpatizavam mais comigo do que com o anterior vocalista, e ele também não era muito assíduo, então o que acontecia era que na sua ausência muita das vezes eu improvisava com o micro. Quando o vocalista deles adoeceu, apenas a umas poucas semanas do tão ansiado festival denominado de "Algarve em Chamas" foi a mim que recorreram para não terem que declinar o surpreendente convite do Bruno Correia (In Tha Umbra) o organizador do evento. Eu aceitei ir, mas apenas e só após alguma insistência por parte deles e com uma condição apenas, de que tocássemos um cover à minha escolha.
E a cover que escolhi foi a "Deathcrush" dos Mayhem.
Na verdade sentia que éramos maus, muito maus ainda. Maus, mas não no sentido que éramos uns tipos beras...mas sim, que não tocávamos nada e depois então para compensar, tentávamos parecer um pouco mais beras do que realmente éramos.
A meu ver, esse era o segredo da cena "trve", muitas vezes o pessoal agia como bera e fudido para disfarçar as suas limitações musicais.
Só que eu ainda não o sabia, não tinha ainda a noção desse factor.
Embora, tivesse a noção suficiente para achar que ainda não estaríamos preparados para tocar ao vivo, quanto mais abrir um festival com aquelas bandas todas.
Daí a minha insistência em fazermos uma cover, sempre daria para disfarçar, um pouco mais essa nossa falta de qualidade.
O que fica para a história é o que importa, e o que ficou é que para o bem e para o mal aquele acabou por ser o único festival com as principais bandas de metal do barlavento algarvio.
Pouco tempo depois realizou se um outro festival naquele mesmo sitio, em que ajudei a organizadora a convidar as bandas, só que por problemas técnicos nós, os Teasanna e os Sad God Said infelizmente não chegaríamos a tocar.
Mas isso se calhar, seria uma boa história para contar noutra ocasião.
Os Deep Odium e Necrocult of Kronos, creio que só surgiriam um ou dois anos mais tarde.
Os Inhuman esses por sua vez, já talvez fossem demasiado "comerciais" para aquelas andanças, suponho eu.
Mas na verdade é que um dos organizadores do festival, membro dos In Tha Umbra, tinha feito parte dos Inhuman, tendo sido depois "dispensado" e talvez por isso creio que pudesse existir algum tipo de ressentimento e rivalidade entre eles.
Faltaram apenas os lacobrigenses Sad God Said.
Uma banda que muitos pareciam depreciar, embora eu gostasse bastante, talvez também por ter sido mais próximo da malta de Lagos do que eles eram naquela altura.
Ok, e daí que relembrei me agora, o tal organizador que foi dispensado dos Inhuman, tinha uma vez também dado um soco no vocalista deles, por este supostamente ter entornado cerveja para cima de alguns vinys, na bancada em que vendiam os artigos da sua distribuidora. Enfim.
Facto curioso, os Teasanna Satanna deram também o seu primeiro concerto nessa tarde/ noite. ou pelo menos um dos primeiros, se bem me lembro.
E foi no backstage, que, após muito fumo e bebida quando já estava literalmente "anestesiado" o teclista deles me deu animo para ir para o palco.
A primeira pessoa a vir falar comigo, depois do nosso concerto foi o tipo dos Agonizing Terror.
Eu só queria mesmo era evitar tudo e todos, achava que tudo tinha sido mau, estranho sei lá...e nisto como que do nada surge me um gajo enorme, com uma sleeve de Morbid Angel e aspecto cavernoso, que impunha respeito visto à distancia, o tipo dirigiu se a mim e como que quebrando o gelo com maior das simpatias, para meu espanto, resolveu dar-me os parabéns e animo para não desistirmos, pois "ainda éramos novos" e tal.
Que memória estranha. Outro facto é que aquele local estava cheio de pessoas.
O nosso querido Algarve tinha sido invadido de metaleiros de todo o país. Mas não só, pois naquela altura os concertos não eram exclusivos da comunidade do metal, vinha muita gente que nada tinha a ver.
Muitos dos meus colegas de escola estavam presentes, a comunidade alemã vizinha do Félix estava presente, etc.
O maior pecado, a meu ver, não só nas músicas que tocamos nesse concerto, mas durante algum tempo foi o de não termos a verdadeira noção de como construir uma canção
Então tentávamos por isso incorporar todas as ideias possíveis numa só música, o que resultava muitas vezes numa autentica mistura de riffs sem pés nem cabeça.
Depois de uma sequência de 4,5 concertos seguidos, que demos ainda sobre o nome "Raven's Fire" (corvo de fogo...ou algo assim) um nome que eu sinceramente detestava e insistia constantemente para muda-lo. Até porque era um nome que tinha sido sugerido pelo anterior vocalista e eu achava que precisávamos de entrar naquela fase nova com um nome novo. Cada concerto que demos com esse nome, sempre que subíamos para o palco eu dizia - "Boa noite, nós somos os "Ravers on fire".
O primeiro passo, passou por desconstruir as músicas que tínhamos.
E da salganhada de riffs, aproveitar apenas uns poucos. Simplificar processos.
E quando as músicas ainda não tinham nome, dar nome às músicas era o meu papel.
Mas antes que me surgisse algum nome, inventávamos, por isso mesmo nomes para os riffs, "o riff feliz", "o riff caralhudo", etc
A primeira música que fizemos sobre o nome "Lycanthropia" foi a "lords in the mud".
Era claramente um novo capitulo na banda. E nesta música eu contribui com riffs, JR,JB e Félix também.
Um dos riffs que mais me marcou, nessa música, era um riff a que tinha baptizado de "orgasmo", feito pelo JB. Chamava lhe assim porque era "a abrir" e entrava depois um dedilhado todo gloomy, em que tentava encaixar algumas letras com voz "limpa, ou cantada digamos assim, e o JR tocava umas notas por cima com um efeito marado de pedal chamado "flanger".
O "orgasmo" ao inicio parecia me um pouco rip off a Gorgoroth, mas a verdade é que curtia tanto o riff que essa sensação cedo desapareceria, talvez fosse o riff mais black metal que alguma vez tivéssemos feito.
E porquê lords in the mud?! Na verdade, é que durante algum tempo não consegui encontrar uma explicação racional.
Tentei como que "psicanalizar-me"- antes de escrever este texto tendo surgido várias hipóteses...a primeira, talvez derivasse do facto de ser um Tolkien geek na altura e me tivesse lembrado da cena dos hobbits, a caminharem com o Gollum entre pântanos lamacentos e pestilentos a caminho de Mordor.
Ou então, talvez apenas me tivesse lembrado do famoso clip dos Sepultura "Territory". Não sei.
Pensei nessas duas hipóteses, mas na verdade e digo isto com todo o despretensiosíssimo e humildade possíveis, é que eu acho que era mais uma critica para a realidade da cidade em que crescemos.
Depois daquela sequencia de 4 concertos durante algum tempo não conseguíamos tocar em lado nenhum e principalmente na nossa cidade, isto num período próspero e raro de concertos frequentes, até por causa da criação de um palco para esse efeito - no principal ponto de encontro dos adolescentes naquela altura, que era o Skatepark de Portimão.
Ao meu ver, creio que éramos como que "ovelhas negras", os renegados de uns "eddie vedder's wannabes" e de toda aquela geração grunge, que poucos anos mais tarde, se tornaria também na geração do "nu metal" e "metalcore".
E, por isso nunca conseguimos ir lá tocar.
Outra memória que me ocorre de um dos nossos concertos, o do refeitório da minha antiga escola básica onde tinha passado os primeiros anos da puberdade e apenas poucos anos depois, lá estava eu, de cabelo mais comprido, calças justíssimas azuis, t shirt branca com a replica do logo da Marlboro, só que a dizer "Marijuana, 20 filter joints" a sair da casa de banho, limpando o suor os restos a álcool e vomitado do rosto para cumprimentar uma antiga professora - não atrevendo me sequer a perguntar lhe se tinha gostado do concerto ou não, porque na verdade sabia que tinha sido uma autentica revolução de caos e cacofonia.
O meu pai, por sua vez só veio a descobrir que estava numa banda, quando a filha de um colega de trabalho dele fez-lhe o relato completo dessa noite. Essa rapariga era irmã de um dos bikers mais conhecidos da cidade, e que tinha sido um dos impulsionadores da construção do tal Skatepark.
A cidade, por esta altura era vista como uma espécie de capital do BMX.
Havia uma música que começava com o meu grito - " Show me blood!!" Já não sei sinceramente, se foi por esse motivo ou não, mas naquela noite uma rapariga subiu ao palco e desatou a derramar uma garrafa de corante rubro para cima de todos...agora que penso nisto, vem me a imagem estranha e tresloucada, em que alguns também subiram ao palco todos encobertos por aquele sangue falso.
Parecia quase uma cena de canibalismo.
Eu limitava me a observar tudo, quase como que incrédulo.
Tudo isso causou forte impressão, éramos adolescentes e naquela altura não havia redes sociais, fosse para se investigar acerca da vida dos outros ou não, o social media a meu ver retira a aura de mistério às pessoas. Todos os artistas de metal que me interessavam eram enigmáticos, pouco sabíamos acerca de quem eram e isso sempre me agradou. Na verdade sempre fui um tipo recatado, fazendo me por isso alguma confusão, como o simples facto de muitas vezes quereres só estar no teu canto, a viver a tua vidinha em paz, isso também possa ser ofensivo. Lembro-me quando tínhamos 12,13 aninhos, eu e os rapazes da escola perto da minha casa, nessa altura é que passávamos o tempo a inventar histórias a respeito de pessoas que não conhecíamos. E como que estranho twist a maioria dessas pessoas se tornavam quase sempre depois meus amigos mais tarde. Como se tivesse um inexplicável magnetismo para os renegados.
Quando surgiu o Marilyn Manson - se bem me lembro, foi com o badalado boato das costelas, só para citar um exemplo.
Comigo surgiu, entre outros, o boato de que iria suicidar me aos 33 anos, só que não me lembro de ter dito tal barbaridade.
Quanto muito tê-lo-ei dito bêbado, numa brincadeira, que terá sido interpretada fora de contexto.
O Glen Benton, dos Deicide, dizia isso muitas vezes, para causar escândalo na comunidade cristã. Outros há que terão mesmo levado isso a fim. Não vou dizer aqui nomes.
Por todos os motivos, parecia haver um certo receio de nos convidarem para concertos.
Parecia haver receio acima de tudo de mim. Muito sinceramente.
Para além, de que nunca tivemos nada em comum com as restantes bandas daquela cidade.
Daí o nome "lord's in the mud", porque no fundo eu sentia essa nossa evolução como banda a ser ignorada por todos, numa cidade que não só rejeitava e descredibilizava constantemente o nosso esforço como que, de certa forma, até difamava.
Embora, admita, que se calhar a minha reputação como desordeiro e caótico também não tivesse ajudado em nada.
Hoje em dia, até acho que daria um nome fixe para uma canção "Doom/Stoner/Sludge...whatever" ou mesmo para o nome de uma banda.
we, alien lords in your mud world/
we grow in secret wisdom/
we rise from the mouthfull of our own spoiled hearts
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