abismos (na rua do velho taberneiro)
i
fiz de novo as rimas
com as ruínas
da infância
e entreguei todo os diamantes
à terra que me deu de comer
provei
o espesso licor
de encantos
pela intermitência das tempestades
na noite dos desencantos,
a outra face da lua
deixará sempre a sua marca.
E se anseio,
clamo o teu nome.
E se digo não,
a minha consciência sangra.
Serei teu vampiro
com as presas da agonia
cravadas na recusa do teu pescoço.
Serei escravo em ti medusa,
com todos os meus pesadelos
transformados em pedra.
Para acordar
do simples espanto
em que habito,
fumo então
de janela aberta
na esperança que o esquecimento
te leve para bem longe de mim.
ii
A desdita fonte
que secou no Inverno,
e que nenhumas palavras
conseguem redimir.
A vaga promessa,
desfraldada
na luxúria de um adeus
e na destreza
com que tornam
a vestir as roupas.
Enveredando
entre manhãs distintas,
entregavam-se assim de novo
à solidão.
iii
Violinos subterrâneos
incendeiam-nos todos os rostos da memória.
na era dos deuses individuais
o pathos distante
no caos
que emerge
por todas as orlas destas ruas.
E a multidão,
sempre
que o ritual se repete
segue procurando
por verdades escondidas
debaixo de um copo.
Na rua do velho taberneiro
sentar-me-ei de novo
absorvendo à distância
o aroma a decadência
ou talvez apenas a dança
que desprende a voluptuosidade
do arrebatamento colectivo.
flutuante pelo caminho
segue
as tochas acesas
te espero
na avidez
que nos levará a galope até à cidade
onde deveríamos sempre voltar.
A nossa cidade.
O frémito do abismo cresce de novo
pelas memórias
de uma despedida
que desaparece lentamente no limiar
do mar cor-de-vinho.
Na raiz
da noite humana
anseio sempre, pelo incendiar
que alumia
no negro das palavras.
“And those who were seen dancing were thought to be insane by those who could not hear the music.”
― Friedrich Nietzsche