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quinta-feira, 31 de maio de 2012

Diários de Bordo - Barcelona





Finalmente um pouco de descanso! Nem acredito que seja já 5ªfeira. Saí 2ª feira de manhã directamente para Sevilla, tendo chegado por volta das 13h30. Durante o percurso no autocarro aproveitei para ler o clássico do Hemingway sobre a guerra civil espanhola "Por quem os sinos dobram". A forma como Hemingway conseguiu captar o carácter caloroso dos espanhóis como se fosse um deles e ao mesmo tempo distanciar-se como o estrangeiro era torna-se sem duvida uma das virtudes deste livro. Levei várias semanas adiando a viagem retido por burocracias à espera do dia em que pudesse finalmente concretizar a fuga. No primeiro dia em Sevilla conheci uma rapariga madeirense, que curiosamente também vivia em Faro e embora nunca tivesse tido o privilégio de a conhecer por lá tal como a personagem no livro de Hemingway também se chamava Maria. Quando ela entrou no autocarro ainda fiquei na expectativa que se viesse sentar no lugar que se encontrava vago ao meu lado. Mas ela limitou-se a passar por mim sorridente e foi de isentar-se no banco de trás e entretanto para aumentar mais o meu desconsolo, um grupo de noruegueses entra na paragem seguinte, tendo o mais obeso sentando ao meu lado.Durante as 3 horas seguintes praticamente não me consegui mexer, como sol de fim de verão andaluz fustigando me pela janela. O tipo norueguês tornava-se realmente incómodo, restava-me o meu olhar desconsolado  para Maria, ao qual ela respondia com um leve sorriso trocista, como que entendendo o meu desconforto...após os devaneios sevilhanos que acabaram por valer apenas por revisitar a Plaza de España, as cerca de 4 horas debaixo do maldito calor desidrataram-me completamente. Estava de volta à estação dos autocarros, ressequido e cansado, esperando pelo autocarro para Barcelona quando a vejo sentada sozinha à entrada com um ar bastante preocupado. Ela dirige-se a mim,insegura, pois tinha acabado de perder o autocarro para Málaga e via-se forçada a ter que pernoitar em Sevilla. Pobre miúda, se não fosse o facto de ter logo comprado o bilhete do autocarro para Barcelona e teria calorosamente aceite aquele convite para ficar com ela, poderíamos ter passado a noite ao relento conversando nos bancos dos jardins andaluzes, ou então quem sabe até a fazer amor nalguma residencial recôndita na Calle Sierpes. Por breves momentos poderíamos assim esquecer toda a amargura de dois seres solitários neste vasto mundo.
Tinha finalmente começado esta viagem-revelação de como todo este mundo não passa de um sonho esperando por nós... desejoso de ser vivido em toda a sua plenitude.
   Ao vislumbrar Barcelona de autocarro, o smog cobria o horizonte ainda distante desta cidade, que tinha a curiosidade de se situar ao mesmo tempo entre as montanhas e junto do mar. Barcelona poderia ser uma possível futura capital desse reino europeu que parece estar na forja já à algum tempo, se a União Europeia por alguma razão algum dia se viesse a tornar nos Estados Unidos da Europa a capital deveria chamar se Barcelona, nem Copenhaga, nem Berlim, nem sequer Madrid. Penso isto principalmente pela localização periférica. No entanto  a capital catalã é de facto uma cidade muito própria, antiga e ao mesmo tempo moderna, liberal e jovem  surrealista sempre como se houvesse um pouco de Gaudí, Miró ou Dalí em cada avenida. Quatro pessoas viriam a marcar-me profundamente, quarto possíveis irmãos noutra encarnação,companheiros de viagem que muito provavelmente não voltarei a ver, pois apenas a brevidade dos dias poderia permitir tais ligações que embora efémeras serão certamente mais marcantes que a maioria que por vezes temos no nosso quotidiano. Ao chegar à pousada, quando tentei dirigir-me à recepcionista com o meu péssimo castelhano, ela sorriu-me e falou em português com sotaque brasileiro, mais tarde estava deitado na parte de cima do beliche, embrenhado no que me restava ler do Hemingway,quando entra um tipo de rastas, trazia também o seu vinho numa garrafa de plástico e um stick que utilizava para fazer o jogo do "devil stick" com fogo nas ruas, servindo lhe de sustendo,quando este tentou dirigir-se a mim no seu péssimo castelhano, naturalmente que sorri também e disse-lhe "podes falar em português comigo". Uma amizade curiosa esta a que travei com ele, dois sonhadores uma demanda por algo mais do que material criamos forte empatia e falamos de tudo o que era relacionado com misticismo, espiritualidade, Lsd, meditação etc. O I. conhecia a cidade pois já lá tinha vivido alguns meses, curiosamente nunca tinha estado no Oceanário junto ao porto marítimo de Barceloneta. À medida que I. ganhava confiança e desenvoltura no seu diálogo comigo,ia também aos poucos confessando pormenores íntimos das sua viagem que tinha como objectivo principal ir até à Turquia, quando trocamos moradas ele prometeu dar-me todas as novidades assim que chegasse ao destino, embora pela maneira como esbanjava facilmente o dinheiro tanto em bebida como em roupa, principalmente chapéus, eu ficasse duvidando que se alguma vez ela terá conseguido chegar ao seu destino. Quando tentava interpelar-lhe e chamar-lhe à atenção por isso, ele limitava-se a sorrir e a mostrar a sua flauta para tocar na rua, como que dizendo "no worries mate!". Quando regressamos à pousada, um homem sexagenário entrava connosco na habitação,estava bastante revoltado e falava sozinho,tentava disfarçar o seu desconforto por nos ver ali com o seu péssimo castelhano com sotaque brasileiro, eu e o I. automaticamente olhamos um para o outro e desatamos a rir pois percebemos naquele instante que a brasileira da recepção estava a tentar juntar todos os nativos do português no mesmo quarto. Era o J., antigo repórter fotográfico brasileiro que voltava da Alemanha de onde tinha assistido ao casamento da sua filha. E que histórias impressionantes nos tinha para contar, desde a vez que esteve em Cuba numa conferência e do privilégio que foi conhecer Fidel Castro,ele tornava-se assim um pouco como a personagem daquele avozinho da nossa infância que nos contava histórias. Foi casado 6 vezes e desejava agora ir a Portugal para procurar uma antiga paixão portuguesa, era um romântico e só para ouvir as suas histórias de amor já quase valia a pena ter feito esta viagem a Barcelona. No dia seguinte J. travaria conhecimento com E., espanhola de Madrid que tinha vivido e estudado em Tomar .E o nosso "Band à Part" estava assim completo. Era um contraste interessante aquele que havia entre J. e E.,ao qual eu ia assistindo quando nos dirigíamos para a Casa Batló, depois da nossa visita à Sagrada Família. E. vivia certamente a amargura de uma separação recente e isso notava-se no seu timbre de voz e na descrença que afirmava manter acerca do acerca do amor, mas simpatizou imediatamente com J. Durante a noite fomos aos bares do Bairro Gótic e lembro-me carinhosamente destes momentos, até à despedida do J., que foi o primeiro de nós a partir, na madrugada do terceiro dia.







Diários de Bordo - Vilar de Mouros





As memórias de um festival ficam quase sempre em loop pelas nossas cabeças da mesma maneira que a terra se entranha pelos poros enquanto regressamos a casa de mochila às costas, subnutridos e após várias noites mal dormidas. A primeira memória que me ocorre de Vilar de Mouros é a de chegar à Ponte Velha assistindo a todos os que nadavam no riacho perto das árvores. Fumando, e uma rapariga com tranças passava por mim sorrindo. Oiço-a dizer algo em espanhol ao vizinho e subitamente apercebo-me o quanto lindo é o sotaque uruguaio, assim como eram os seus cabelos loiros e o sorriso fácil deixando no meu intimo um pronúncio bastante positivo para tudo aquilo que viria a ser o resto do festival. Fui desprendendo a voz aos poucos à medida que me ia deixando seduzir por esta espécie de liberdade que funcionava muito melhor de noite. Num certo dia,talvez mesmo no último, após algumas horas de convívio com uns tipos alentejanos resolvi ir para dentro da tenda com o intuito de ler um livro, mas não me conseguia concentrar para tal...a erva e o vinho fluíam furiosamente, encostei o livro e sem conseguir adormecer muito por culpa da treta dos gemidos de um casal numa das tendas ao lado da minha que assim se iam entretendo sem qualquer tipo de preocupações a foder...até que finalmente adormeci entrando numa espécie de sonho estranho em que comunicava com grupos de pessoas minúsculas que viviam em grutas divididas junto do rio que se encontrava perto de nós. Algo como n' As Viagens de Gulliver e tudo tão assustadoramente real que quando despertei nem parecia que tinha chegado mesmo realmente a adormecer.




O principal motivo que me fez deslocar ao Minho este ano foi o facto de o Bob Dylan ir lá tocar, o que creio que acontecia pela segunda vez em nosso solo em mais de 40 anos de carreira. Numa das edições anteriores de Paredes de Coura já tinha sido a estreia de um outro grande senhor canadiano de Ontário, que se viria a tornar mítica. E se a prestação do bardo-profeta americano do Minnesota, tantas vezes comparado a Shakespeare pelo número infindável de obras "do outro mundo" nesta edição do festival seria pelo menos para mim uma desilusão pela sua prestação alienada, quase totalmente desprovida de contacto. O canadiano por sua vez e a banda Crazy Horse brindaram todos os presentes com mais de duas horas de um show imparável,destilando o mais puro rock n' roll à chuva. Diz quem viu que este será mais um daqueles concertos inesquecíveis feitos para perdurar para sempre no imaginário pessoal de todos os amantes de música em Portugal.






Como o Dylan não deixou ninguém gravar nada do concerto dele...ficam aqui alguns apontamentos de dois dos concertos que mais queria ver. PJHarvey e The Cure.









quarta-feira, 30 de maio de 2012

Fragmentos de pensamentos III


*P.s. Escrevi este texto por volta dos meus 19 anos e reflete-se um pouco 
Prometi a mim mesmo que tentaria não alterar mais os mesmos de forma a não alterar os conteúdos originais.Neste apenas fiz algumas alterações gramaticais.

De qualquer maneira penso que as ideias essenciais já aqui estavam aqui presentes.
Aliás já estavam presentes até muito antes de quando escrevi o texto.


O mundo trata-se de uma ilusão e nós os próprios ilusionistas.
Chego a duvidar se realmente existirá um passado, pois todas as ideias do passado no presente adquirem novas formas sendo por isso condizentes com os diferentes estados de espírito e a mentalidade dos interpelados.
Não existe futuro pois nós é que construímos o nosso próprio mundo assim como a noção de bem e de mal.
Haverá apenas acto e consequência.

 Nunca o meu discurso foi constituído por diálogos deambulantes, cheios de ênfase e vocabulários bem ornamentados. Embora, por vezes, eles se insurjam em rasgos de frontalidade inesperados. O que me leva a crer que afinal sempre estiveram aqui presentes, vencendo esta timidez atípica. Ao invocar as experiências que pairavam algures pelos labirintos da mente dando vida às vozes que embalam nos nossos poemas, libertando e redimindo. E a música, o que definirá um acorde perfeito, a qualidade agradável dos sons, o consenso para todos os que escutam esse mesmo equilíbrio sonoro?! Ou será apenas a associação das "coisas" em si que torna possível que se coloquem os rótulos de "surrealista", "futurista" ou "punk rock" para a posteridade...creio por isso antes numa vontade mística que nos possa fazer superar toda essa sensação sermos apenas e só o ermo de algo perecível. Com diria Shakespeare em Hamlet -"This mortal coil".
   
A criação artística não será mais do uma sublimação desse mesmo vazio, a criança que persiste em nós e que nos leva a (re)criar novos mundos e esquecer assim a permuta da cognição. Muitos de nós acabamos por ignorar tal vontade, pois bloqueando-se esses impulsos supostamente torna-se mais fácil criar-se uma personalidade, moldável apenas e só com as vicissitudes da vida numa tentativa de coerência com aquilo que a realidade exterior nos pressiona a ser.
   
A minha "persona" ri-se por vezes da tal castidade que visa fixar a personalidade de cada um como algo de imutável - o estigma da personalidade fixa. As intransponíveis almas de cimento não querem transparecer uma rude obrigação social. Mas ela existe! Para mim, para ti e para todo o mundo que nos espera lá fora pronto a nos desfazer em pedaços. Na génese do estereotipado a intuição sem objectividade dá lugar então à castidade frontal. Silêncio. Consegues-me mesmo ouvir?! Eu sei que sim. E sim, sei que muitas vezes consigo ser intuitivo...mas não objetivo. imagens em cadeia me insurgem constantemente...abstractas, divinas, alucinantes, imensas, demoníacas impossíveis de descrever.
E é entre todas elas que tento encontrar o ponto convergente, o equilíbrio entre os pólos.
Foi sempre o que me fascinou tanto em Blake.
Ele conseguia-o.
 

Ansiosas por serem milionárias, as donas de casa recriam todas as suas ilusões românticas vendo novelas. Enfiados na poltrona as conversas ao serão servem apenas para tentar travar as distâncias entre pais e filhos, pais que trabalham 12 horas por dia. Assimilados os estereótipos para que numa descarga de consciência possamos forjar todas as conversas artificiais (...)
Que sociedade se exprime hoje em dia nos nossos meios familiares?!
Quem sara as verdadeiras feridas escondidas na ilusão que nos é projectada pelos televisores?!
O que mais permitirá assim esquecer-se o quanto se é explorado por patrões totalitários que forçam a agarrarmo-nos a uma vida de sedentários?!
E por todas estas casas onde passeava nesta cidade, por todas as janelas e por todos os cafés com animação nocturna depois do jantar... lá se encontrava o tal ecrã luminoso, o alegre quotidiano de Portugal entre telenovelas, talk-shows, Big Brothers e futebol.



Aldeous Huxley dixit



"A TV será a principal responsável por um declínio da capacidade de memorização das crianças hoje em dia e também nos defeitos da articulação discursiva. A TV leva-nos a sonhar acordados um estranho sonho projectado por um estranho vindo de um lugar estranho invadindo o ecrã da nossa mente.

Podemos já ter entrado numa era em que a informação é despejada no inconsciente colectivo, se assim for esse tal pequeno ecrã não será mais do que uma maquina hipnopédica"


Personagens para um projecto em BD


Miguel de la Fuente

Presumível assassino em série
Refugiado na Bolívia.
36 anos.Condenado a 6 anos de pena em 1996 por participação em contrabando de armas, 2 vezes detido por assalto à mão armada e posse de heroína.
Descrição física- moreno, olhos azuis,robusto e com feições sul-americanas
1,90m / 93 kls

Vlatko Victovic

Presumível assassino em série
Natural de Vojvodina(Sérvia),actualmente reside em Génova (Itália)
Suspeito de ser correcto de apostas ilegais, tráfico de armas e ligações à Camorra(Máfia Siciliana).Suspeito no atentado ao ministro da administração interna italiano ocorrido o ano passado.Nunca foi detido.
Teve treinamento especial nos serviços das tropas especiais de Montenegro
35 anos
Descrição física-cabelos loiros e olhos verdes,robusto com uma cicatriz característica no queixo resultante de uma rixa de bar com o seu meio- irmão Tomislav.
1,75m / 72 kls

Lady Foresse

De nome verdadeiro Alicia Monterey, é viúva de Sílvio Foresse, preumível barão da droga ligado à máfia siciliana, suspeita-se que seja amante de Vlatko Victovic.Embora costume agir sempre sozinha, especialista em furtos de obras de arte e falsificações no mercado negro.
Especialista em artes marciais(Kung Fu, Takeondo e Fujitsu)
Descrição física - Cabelos castanhos e longos,semelhanças nas feições com a cantora Sinnead' O Connor
1,74m / 62 kls

fire birds




a dreary glare
through our mystic spaces 
between us
a broken wishbone
an amulet 
to lure all love 
a nightly tale
of things forgotten
that whistles, like quivering leaves
and burns
like desert sands

poignant provender
of an idea of sacrifice
that opened our
oak doors, 

a nameless resent
to which they trade 
all secret passages 
that brought us
into this one single place

- where we bend
to see some
fire birds.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

entre casas de ardósia



rosas que florescem
entre jardins de concreto
por agora a hora da morte seguia incerta
catarse de uma eternidade - entre nós havia um oceano inteiro, 
e os que conspiram, apelando à intolerância 
continuam entregues às suas razões e ao receio
a inveja via televisão 
e não escondia todo o desejo de matar, 
à hora de jantar
não tenhas pressas
disseram-nos sempre
que éramos loucos apenas 
por sermos de capazes de amar
loucos e sorridentes, 
sobre os escombros das procelas 
erguem se puros 
para quem a demência se torna elegância 
timbre de uma paralela melodia
ressoando na multidão
expandindo-se pela escuridão 

pela aurora 
pássaros de mau agouro esvoaçam  
escondemo nos em nossas casas
passos vagarosos, os vultos lá fora
são os homens condenados
que caminham em direcção da forca
distintamente sorrindo

Arrepios,
nestas horas nocturnas
em que os vaga-lumes
guiam os nossos olhos cegos

abre, com o teu rosto fechado
o livro de orações
e canta às horas 
uma nova canção de embalar

Entre todas as facas escondidas
e o desprezo
mesmo que caminhemos 
sob o mesmo sol.


quinta-feira, 24 de maio de 2012

Diários de bordo - A antiga estação de comboios

 Antiga estação de comboios





                                                                               
  A brisa primaveril num campo florido, o chocalhar das vacas e todas as conversas entre pássaros e insectos. 
O cigano e a sua égua trotam pela estrada na direção inversa. Minutos depois sento-me à sombra de uma árvore para tentar desenhar a estação de comboios abandonada da vila. O barulho da locomotiva lá ao fundo a atravessar essa linha faz me recordar o pano bordado pela minha bisavó com um pequeno comboio a vapor, o pano que os meus avós utilizavam quase para pôr na cesta do pão ainda bem quentinho enquanto ceávamos. Durante as férias de Verão juntamente com os restantes rapazes na vila por vezes brincávamos perto da estação abandonada. Havia algo de Mark Twain nas nossas brincadeiras junto à linha do caminho-de-ferro ou nos cigarros fumados às escondidas no celeiro abandonado. Para o rapaz da cidade que eu era, surgia assim muitas a oportunidade de sonhar ser como Huck Finn junto dos outros rapazes da aldeia. Ao regressar destas memórias o meu pensamento centra-se de novo no céu azul e os meus olhos perdem-se observando as aves que sobrevoam o horizonte. A paz e tranquilidade de uma natureza não profanada, percebo de novo assim quanto tudo isto é valioso. Por estes lados ainda não existe o stress das cargas horárias nem a devastação dos piratas do asfalto. O regimento das grandes cidades ainda não chegou cá, a famigerada autoestrada do progresso parou no sinal intermitente do espaço e do tempo
(por aqui planeia-se uma autoestrada para breve, algo que é visto com agrado pelos habitantes da vila por ser propicio a mais postos de trabalho).
    À sombra desta árvore esqueço-me de quem supostamente sou, sinto-me como se tivesse lúcido mas ao mesmo tempo amnésico, sei quem sou, visualizo nitidamente todas as memórias mas não me recordo mais de quem era antes. É como se tivesse acabado de ler um livro que contasse histórias da vida de um outro alguém.
   Um pastor, velho conhecido da minha família mais o seu fiel amigo, o cão, passeavam o rebanho pela estrada. A bengala ajuda-o a suportar o peso dos anos e uma nostálgica tristeza transparece através do olhar e no timbre da sua voz, são olhos fustigados pelas ávidas labutas campestres que só o manto de pele que carrega pelos ombros pode servir de testemunha. O manto representa a fidelidade de gerações às lides pastorícias, muito provavelmente já o seu pai o era, tal como o seu avô.

   
É assim a vida por estes lados, mudam as gerações mas as tradições mantém-se inalteráveis, talvez atrasado esteja só mesmo declínio de outros pontos, talvez esses mesmo declínio nunca chegue mesmo cá.
   Singela e intemporal como os dias que por aqui se passam, a antiga estação de comboios, abandonada e em ruínas, paira lá bem ao fundo do horizonte,
E torna-se tão fácil entrar numa viagem temporal, imaginando todo os antepassados daqui a virem buscar os seus familiares nos típicos calhambeques, conduzidos por senhores em fatos característicos, com os seus chapéus de coco, bengalas e os bigodes aparados e os cabelos inundados em brilhantina e as senhoras e longos vestidos protegendo-se do sol com as sombrinhas, tudo numa alegre romaria ao fim de tarde.
  



quarta-feira, 23 de maio de 2012

Diários de Bordo - Vila Nova de Milfontes






Vila Nova de Milfontes   


as ruas ficam desertas
pelas nove horas da noite
e a noite lenta
arrasta se reptiliana 
desde a travessa do arremedo 
até à esquina
de onde espreita-nos um bar
dos lobos do mar e capitães sem medo
uma vez lá dentro 
partilha-se toda a embriaguez
com palavras incógnitas, como manda a lei tertuliana
entretanto cá fora 
na sua lucidez 
ergue-se o luar,
tecendo a superfície de todo um altar

- sem lume para mais um cigarro.

irás tu comigo um dia regressar 
a este reino
de bobos e charlatães?!

- todos eles sorvidos por um culto
que das trevas se reveste
pelas ruas estreitas, o pássaro da noite vetusta
espreitando o prazer, no vascular do corpo celeste

na selvageria, espremendo uma gota mais 
sem cura, sem escolha nas perdições dos demais
a resposta procurada no álcool 
o praguejar durante um jogo de futebol

da escadarias até à praia
pelos sulcos das marés movem-se brisas,
e ao ritmo das ondas, arma-se o silêncio
na crispação da noite que agora nos cercou
o profano desejo que nos aniquilou
o prenúncio do caos nocturno , 
na comoção de quem esculpiu a carne poema e a inaugurou
tecendo as tramas pelas ruas imaginárias do teu rosto.
compreendendo a culpa, cantando o blues


chega-nos o lume trêmulo das palavras 
de todas as formas
já estaremos mortos e no inferno 
quando eles finalmente estiverem a ouvir a canção 
que provinha deste bar

- it's the vomit express of a midnight brain
 
quatro da manhã, 
uma moeda apenas no bolso 
para uma cerveja mais
a barmaid pede te para sair, 
a náusea 
impede te de sonhar
por estas ruas, as flechas de fogo
sobrevoam no negrume da noite 
e o luar segue espreitando sobre as falésias.

adormeço de novo
ou continuo seguindo
os teus passos na areia ?!










terça-feira, 1 de maio de 2012

Massive Attack - Paradise Circus

Ok, independentemente de este blog vir ou não depois a ser censurado quis aqui partilhar a versão original(não censurada) com a entrevista feita a Georgina Splevin,antiga actriz pornográfica .E com excertos de alguns dos seus filmes como por exemplo o clássico The Devil in Miss Jones (1973). De referir também que a música conta com a participação vocal de Hope Sandoval(Mazzy Star).

http://smotri.com/video/view/?id=v1350480d98c