A velha canção do "bem" e do "mal" ecoa nos ventos,
desgastada,
sem brilho,
tesouro das bocas que repetem o que nunca foi seu.
Ah, o anseio pelo comum, pelo que todos conseguem consumir sem esforço – eis o veneno que obscurece a percepção dos criadores.
“(...) É preciso livrar-se do mau gosto de querer estar de acordo com muitos. "Bem" não é mais bem, quando aparece na boca do vizinho. E como poderia haver um "bem comum"? O termo se contradiz: o que pode ser comum sempre terá pouco valor. Em última instância, será como é e sempre foi: as grandes coisas ficam para os grandes, os abismos para os profundos, as branduras e os tremores para os subtis e, em resumo, as coisas raras para os raros.”
– Friedrich W. Nietzsche, em Além do Bem e do Mal: Prelúdio A Uma Filosofia do Futuro.
E qual não foi o miúdo, hoje graúdo, que não tenha tido esse sonho?
Mas não sonhava em marcar golos, nem fazer jogadas de levantar estádios.
Sonhava antes com grandes voos planados, sonhava em ser guarda redes e relembro-me do quanto vibrei ao ganhar o meu primeiro par de luvas, as mais baratas das que haviam na loja claro está, pois para o meu pai eram para serem gastas entre os jogos de putos de rua, os tais em que paus e pedras servem sempre como postes de baliza.
Há pouco tempo atrás, enquanto ajudava a minha família nas vindimas anuais da nossa pequena quinta no Alentejo apercebi-me que o meu pai ostentava o meu boné de outrora cuja existência tinha-me esquecido por completo nesse momento retirei-o da sua cabeça de imediato e procurei em vão pelos sinais das assinaturas que os jogadores do Sporting tinham me dado por alturas de um jogo particular no Algarve.
Num flashback instantâneo recordei-me desses momentos de infância, e com um sorriso nos lábios tornei a colocar o boné, bem no alto da sua cabeça.
Relembro este episódio hoje, simplesmente porque ao longo dos anos esta crença sportinguista e principalmente esta minha crença pelo futebol como um desporto de competição íntegro e honesto terá começado igualmente a desbotar lentamente da mesma forma que todas essas assinaturas.
Relembro-o também pelas saudades das "jogatanas" que eu e todo os restantes miúdos costumávamos ter no campo pelado perto de casa durante o Verão depois das incursões clandestinas até à barragem, sempre em finais de tarde quando a temperatura se tornava mais amena e suportável.
Enfim, Também são saudades do desporto escolar, dos treinos após as aulas e de fazer desporto em geral. O Futebol e o Karaté foram os únicos desportos que alguma vez pratiquei.
*Obrigado Ruben Amorim, por ter ajudado a colocar este clube a um nível que nunca teria sequer imaginado ser possível chegar, sem "vitórias morais"," desculpas de coitadinhos" etc.
luz cega que se reconhece nos céus repartidos de outono
luz que por vezes se extingue, outras vezes se torna mais intensa
e onde desconheces se existirá repouso ou sofrimento.
Num instante longo, num olhar curvado
vestidos de ninguém, nas nossas cabeças flutuantes
por aqui não existem mais inimigos, na perfeição do cosmos
o caos renasce
Recortei palavras
do teu diário de outrora
recitei os verbos que me revestiram
com o teu fantasma
quimono da minha identidade solitária
é lucida a brisa lá fora
fala me de ti
e dessas vidas humanas tão distintas
quando tão eloquentemente
falam diante dos espelhos
nuances esbatidas de outros Eu's
O nosso destino, que me roubou horas à luz
na beleza nupcial da noite
as lúgubres horas
que me brindavam
com o erotismo ancião
de todo o teu acervo de prazeres
e que não deixou esquecer
as minhas mãos
deambulantes
pelos teus cabelos molhados
tudo descrito no teu livro das memórias de que nunca te quiseste separar
e que todos os dias guardavas
na tua mala de cabedal.
(o adeus a ziggy)
- o homem que veio do espaço partiu…
uma nova estrela polar
cadente
Órion transcendente
confundindo todas as Plêiades
por uma vez mais
com aquela canção - pedra poema
a benção entre terras de conflitos
que resgatava
a nós
todos os seus crentes ao anoitecer
ao magro duque branco
que nos observa agora
desse seu novo Éden
peço-lhe apenas
tragam-nos de volta a este mundo
toda a nossa família
tragam-nos de volta a este mundo
todos os nossos elos de ligação.
Volta depressa Ziggy...
...estás perdoado.
* p.s estou realmente cansado de mal entendidos e confusões daí querer explicar o significado da minha ultima frase.
O meu falecido tio, que curiosamente foi quem viveu primeiro neste sitio onde estou a viver agora, terá sido igualmente uma das pessoas que mais terá contribuído para despertar o bichinho da música em mim.
Para além de ter sido colecionador de vinyl.
O que ajudar-me-ia igualmente a despertar para a beleza do colecionismo dos mesmos.
Algumas das suas frases foram permanecendo no baú de tenras memórias da criança que fui.
Ele adorava por exemplo os Queen (sem deixar por isso de ter casado e ter tido 2 filhos) e um dia contou me como que depois do falecimento do Freddy, um programa de rádio local lançou um concurso de frases em sua homenagem e ele tentou participar nesse mesmo concurso com a seguinte frase.
" Volta rápido Freddy...estás perdoado."
Por algum motivo isto ficou me na cabeça
* p.s 2 na altura que escrevi estas palavras alguns dos músicos e personalidades que admirava tendiam a desaparecer rapidamente e por isso fazia sentido...agora que alguns dos meus familiares começaram igualmente a deixar este mundo(entre eles o meu já referido tio) já não sinto mais a necessidade de dar esse "grito" apenas uma total falta de identificação com a maioria das ditas" rock stars" nos dias que correm.
Muitas vezes pelos ares "strictly business" entediantes que aparentam ter e com isso a aparente falta de humanismo.
Podia dizer-se que o Kurt foi o ultimo, mas tantos têm caído depois...Layne Staley, Chris Cornell,Mark Lanegan, Jeff Buckley, Eliott Smith isto já para não falar do Mark Sandman,do Pete Steele, do Lemmy, o próprio David Bowie, Lou Reed ou Leonard Cohen.
all this one of a kind of beautiful humans and artists which are now surely missed in this world more than ever.
Acordo e espreito pela janela...o deus dos trovões não dá tréguas hoje.
Chuva e vento comprovam como se encontra chateado com todos nós, e eu vou tentando comunicar como todas estas entidades omnipresentes desde a tua ausência, nesta ressaca silenciosa em que a memória do teu rosto resiste na tenacidade de um quarto escuro.
Hoje tinha pensado ir a Lagos. Adormecer no areal da Praia do Pinhão. Não me perguntes o que esta cidade tem de especial, pois eu próprio também não sei responder. Talvez seja pela mobilidade de quem foge à rotina diária destes mesmos rostos que te sufocam e prendem a fala. Assustei-me no outro dia, enquanto tentava falar com alguém e não conseguia...apercebo-me cada vez mais de que as drogas têm esse efeito em mim...tornar cada vez mais fundo o abismo que me separa da nossa comunicabilidade. Mas Lagos, Lagos....bem de facto faz sol em Lagos... E é pela janela do comboio que espreito e te escrevo agora estas palavras e parece até que aqui a tal entidade divina e omnipresente já não se encontra chateada connosco. Um nervoso miúdo invade-me, como me fosse reencontrar contigo pela primeira vez desde daquela noite que nos conhecemos, talvez não seja Lagos mas antes tu o destino pelo qual eu tanto anseio. Algumas dúvidas antecederam esta vinda, que já estava planeada há muito mas que a falta de tempo parecia não querer permitir. Ao visualizar a Marina, ao sentir de novo esta brisa relembro-me novamente de ti e dos teus cabelos que dantes eram curtos e agora imagino-os longos, inquietos e selvagens...um dia virás aqui comigo também. Os locais dir-te-ão as mais belas praias do país e até mesmo os pequenos grupos de holandeses e alemães, os foreigners, cidadãos foragidos do rebuliço das cidades grandes te irão dizer que este é um lugar tranquilo para se viver.
Paris, centro nostálgico, lar de todos os gatos siameses.
Dos vagabundos e dos olhares sedutores de damas cujos suspiros levianos são enigmas na perdição da noite.
Nunca deixando de acreditar em tudo o que os mistérios designavam pelas suas horas sagradas.
Engenho meteórico de pesadelos invisíveis à revelia de uma noite interminável, em que todos seguem pelos mesmos trilhos no auge da virtude.
A procura constante de viver histórias dignas de serem relatadas, junto dos seus semelhantes, na demanda por um ser justo mas igualmente capaz de dar ao sonho outro valor, uma outra benesse. Sujeitos reflexos de um sol, vivendo numa híbrida intelectualidade em que mapas eram traçados por uma vida sem facilidades mas ao mesmo tempo sem lugares comuns ou tempos mortos.
Todas as conversas por vezes eram difíceis de acompanhar, podia-se até dizer que tentaram à maneira típica do romantismo atingir toda a pureza de espírito dos “bons selvagens” estando por isso dispostos a abdicar das respectivas famílias e de todas as leis laborais para assim preservarem a toda a sua genuinidade.
Rejuvenesciam ao fazer amor com os anjos, mas era apenas e só do desgosto que seguiam procriando.
Seriam talvez os únicos a não ficar indiferentes à mudança das estações quando a frescura da primavera finalmente chegava.
Vivendo sonhos de uma nobreza mística que desordenadamente se perdiam entre o caos dos vícios e das paixões.
"Tu le connais, lecteur, ce monstre délicat hypocrite lecteur, — mon semblable, — mon frère!"
"People are strange when you're a stranger; faces look ugly when you're alone..."
A musa, simples cortejo dos ventos, sempre presente incentivando o nosso regresso a essa liberdade das origens, através do recordar de vidas de grande autores que outrora por ali também tinham passado.
Não era a Mona Lisa, talvez lembrasse antes com o raiar da aurora Jeanne Hébuterne vista de perfil qual um busto de mulher serena, aprontando-se para seduzir.
Como exteriorizar todas essas vozes do nosso desgosto
seguindo implorando loucura,
nas noites em esta que nos é servida por pajens loucos
sentindo a sombra dos teus dedos na pele
irmã incestuosa da morte,
foices sobre a terra
essa revelação torpe
do além, que não escolhe a sua sorte
o doce murmúrio da manhã.
cumplice de toda a verdade incompressível
dos mitos
escutada ao longo da noite
nenhuma voz te deixará mais fraquejar
trêmulos os passos
a demarcar o território
seguindo
continuamente
por todas as estreitas passagens
sur le ciel de paris
(sigamos nós brindando à vida boémia dos anjos)
Que hoje te lembres finalmente quem és.
Ou serás tu,
um mero pragmatismo
dos sem fé
nos dias de hoje?!
Derrick Nightingale
(qui est-vous?!!)
o olhar vazio do músico de rua anuncia as confidências que em breve este irá começar a cantar ao luar
Provínhamos de Utrecht cansados, comentando o típico nacionalismo holandês que parecia colidir de frente contra essa imagem que há muito nos era projetada, a de este ser um pais liberal, onde quase tudo era permitido. Talvez essa excessiva "liberdade" esteja a tornar-se progressivamente um "pau de dois bicos" e as pessoas estejam por sua vez lentamente a tornar se mais conservadoras.
Tudo isto simplesmente por causa de um tipo que tinha acabado de passado por nós, todo equipado com as três cores nacionais holandesas. Segundo D. era normal algumas pessoas vestirem-se assim, sapatos vermelhos, calções azuis e camisola branca por exemplo.
Eu sorria sarcasticamente enquanto ouvia esta observação, nunca parava me de surpreender com todas essas idiossincrasias de cada povo, mesmo depois de vários dias seguidos a conviver com diversas culturas.
A meu ver para o artista o processo de procura sempre foi essencial, não digo nada de novo com isto, a vida imita a arte e vice-versa construindo-se a partir um número mais elevado de recursos nos nossos discursos criativos. Quanto mais limitado for a enciclopédia musical de um músico, limitada ou pelo restrita será o discurso. Daí não conseguir mais inserir me num "nicho" particular, seja o mundo "metaleiro" apesar de gostar de metal, não nasci a ouvir Venom nem Celtic Frost, cresci a ouvir Beatles, Guns n ' Roses, Nirvana tal como muitos deles, embora não o admitam, essa postura mais limitada ( ou restrita) pode funcionar para esse restrito grupo, para mim será sempre e sempre limitadora.
Viver consoante a vida de artista é poder extrair-se o conhecimento através da experiência criando ao mesmo tempo formulas de e conseguir sobreviver aos tormentos da vida com a concepção de um discurso que permita expor essas mesmas experiências, partilhar de um forma vivida um testemunho para a eternidade (...)
Nos anos de adolescente confesso que passava muitas noites em claro, não é que agora durma melhor pois o sono agitado já há muitos anos que me é característica comum mas isto sucedia-se demasiadas vezes...normalmente depois de acordar deslocava-me quase sempre até à varanda do meu quarto passando horas e horas a tentar ver algo mais além de toda a realidade que me era projetada pelas luzes das casas em redor. Muitas vezes nem uma única luz acesa havia, todos estavam dormindo e nada havia ali que me permitisse ter uma melhor visão do mundo. Com isto dava me por mim a divagar mentalmente entre eras anteriores, como a época dos finais do séc. XIX, a época dos dandy's, dos poetas malditos e de toda uma imensidão de movimentos artísticos (Surrealismo, Dadaísmo, etc). Quando não havia televisão todos os pilares culturais eram sempre mais exigentes, não defendo com isto um elitismo ou uma presunção qualquer pois sempre detestei os emproados e snobs... gostaria apenas que houvesse muito mais curiosidade entre as pessoas, que estas desejassem sair mais vezes dos seus nichos culturais a que se habituaram e das suas picardias futebolísticas...que gasto de energias e tempo...em suma de tudo aquilo a que se pode de chamar "zonas de conforto" atrancadas a um determinado meio social. Criar as "ondas de choque" mesmo que seja através do conflito e provocação é sempre um mal necessário...tem que haver sempre um maluquinho qualquer a jogar-se para o "front line" como que um bode expiatório para a degola, pois só assim todos os nichos serão confrontados com outras realidades distintas e discordantes. Viver em sociedade é saber coexistir e conviver com a diferença e saber que necessariamente o outro não terá que estar impressionado ou sequer interessado em tudo aquilo fazemos ou tomamos com certo ou errado...no entanto importa sempre saber que somos um precipício de mundos de que apenas revelamos as pontas do iceberg...tirar conclusões precipitadas e castradoras acerca do outro apenas demonstram a nossa própria limitação, não a da pessoa em questão. Sim meu caro, é apenas a ti mesmo que tu estás a apontar o dedo. Não me conheces o suficiente para me julgares seja como for. Infelizmente foi este o meio que me foi dado neste mundo para se poder viver, digo isto principalmente em relação ao aspecto familiar visto que grande parte da minha família é quase toda originária de uma pequena aldeia do interior alentejano, onde raras são as pessoas que têm mais do que a 4 classe. O facto de eu poder ter chegado a tirar um curso já poderia por si só ser visto aos olhos de alguns como privilegio, só que ninguém sabe ao certo como lá cheguei, os sacrifícios que foram necessários etc... Talvez seja aqui mesmo que o povo português fica muitas vezes a perder em comparação com outros países mais evoluídos, não é só a sua incrível falta de solidariedade com o próximo, a incapacidade de se elogiar alguém...é a incapacidade de se perceber que nem todos têm o mesmo background familiar o que vai influenciando sempre o núcleo de amigos que se vão aglomerando em nosso redor e a total incapacidade de conseguir por no lugar do outro, ver que certos obstáculos limitam demasiado e vez de estender a mão ainda serão capazes de cortar a corda para impossibilitar a subida...quem age assim são normalmente os que inconscientemente se interessam demasiado por "status" ou lá o que isso seja...pois sabem igualmente de uma forma inconsciente ou até perfeitamente lúcida que muitas vezes esses mesmos "status" foram sendo alcançados mais à custa de ajudas e favores do que pelo mérito próprio. A meu ver esses é que são os verdadeiros parasitas, não os que apenas procuram o seu espaço sem que para isso tenham que se prostituir ou venderem as suas almas.
Creio que importa no entanto sempre reforçar a importância das pessoas a tentarem comunicar, a (re)pensarem, a eliminarem todas as suas divergências e a partilharem entre elas.
Libertar o "solar plexus" como diria certamente um entendido nas matérias de Yoga.
Retornando ao início do texto, se pudesse voltar atrás no tempo, eu retornaria até mesmo ao período da civilização grega para ver como todos os princípios civilizacionais foram deturpados ao longo dos séculos.
A televisão e os média provocam atualmente em nós o mesmo efeito reversivo que a igreja provocava nas pessoas da idade das trevas mas a verdade é que por vezes o sistema parece estar prestes a arrebentar pelas costuras, as pessoas não aguentam mais. Podemos assim talvez estar prestes a entrar numa nova era com o finalizar anunciado da antiga, na forja de toda uma nova "civilização grega" seja possível reaprender de novo todos os princípios básicos de uma civilização.
De volta a Amsterdam, durante a tarde junto ao Damrad D. mostrou-me onde se podia alugar bicicletas a um preço relativamente acessível a melhor maneira de conhecer esta cidade era de facto andar de bicicleta e interagir com os locais, a bicicleta holandesa tem uma estranha forma de se guiar. Para se travar é preciso pedalar ao contrário o que pode causar alguma confusão ao início, houve uma vez por isso mesmo que estive quase a bater num carro enquanto saía do Vondelpark. Trazia um pouco de erva que tinha comprado num coffe-shop onde trabalhava uma bonita mulata com o seu penteado à Bettie Davis que com a sua voz tranquilizante recomenda a experimentar Sensimilla. Sentei-me no coffe-shop aonde era o único cliente, tratava-se de um espaço igualmente agradável assim como a música e tal como a voz da "Bettie". Tudo isto levava-te facilmente a fluírem, permanecia sentado com a cabeça e as costas encostadas na parede, olhos semicerrados mantendo um sorriso tranquilo para a empregada e o mundo de repente parecia de facto um lugar melhor naquele momento. Encontraria alguma paz de espírito também no dia seguinte, estava deitado na relva do Vondelpark e enquanto enrolava mais um joint daquela sensimilla ( compraria mais para levar) seguia observando uns músicos de rua a tocar, desta vez dois instrumentistas de sopro e uma cantora de baixa estatura, carismática e com uma voz vibrante que conseguia superar todo o frenesim das pessoas que por ali passavam, umas de bicicleta outras a passearem os seus animais. Foi ali que encontrei o meu momento de paz no caos de Amsterdam. Estive hospedado numa pousada cristã chamada The Shelter que era a mais barata das pousadas na cidade que tinha conseguido encontrar numa lista de pousadas. Um tipo húngaro que lá trabalhava, com o seus cabelos compridos e o bigode igual a Átila o Uno, metia-se constantemente comigo perguntando-me de onde era, isto enquanto estava sentado na parte de cima do meu beliche tentando ler um livro qualquer que não me recordo agora. Na noite antes tinha estado a ver um jogo qualquer do Ajax no Hill Street Blues Bar, com 2 americanos que não percebiam nada de futebol europeu, no meio da confusão do bar íamos tentando entender o que é que distinguia o futebol europeu do futebol americano. Já bastante embriagado e ainda stoned mas com nítidas dificuldades em manter o controle cheguei assim à pousada, a recepcionista polaca que conheci durante a tarde quando resolvi enviar postais para o I. (o tipo do norte que tinha conhecido durante a minha estadia em Barcelona).A recepcionista após uma breve conversa resolveu dar-me um livro qualquer , tipo “O Sentinela” em Portugal que apregoava entre outras coisas à importância da família, ajudar os “ceguinhos” a atravessar a estrada, etc...sempre afável no trato via-se que se esforçava por manter uma postura imaculada, sorria timidamente e em desaprovação cristã cada vez que eu lhe falava em algo que a poderia querer fazer desencaminhar. Foi nítido o seu olhar de reprovação para a colega quando ambas me viam chegar nessa noite e no dia seguinte o estranho rapaz húngaro só se limitava a sorrir para mim e a dizer com o seu sotaque dos cárpatos "You're crazy,you´re crazy...we needee to go oute man, have some drinks go to the girrless...man you're crazy" dizia me ele enquanto arrumava as toalhas nos restantes beliches do quarto. Nunca cheguei a sair com o "Átila" pois a partir daquela noite resolvi distanciar-me das pessoas da pousada,gostei de conhecer um estudante de arquitectura de San Diego que me falou bastante sobre a costa californiana e descreveu-me o famigerado Big Sur (parte da Costa Californiana que aparece descrita nos livros de Henry Miller e Jack Kerouac) gostei também de um rapaz africano que coxeava e andava de muletas dos Camarões,nós tivemos o nosso belo momento de conversa ao pequeno almoço enquanto ouvíamos Bob Marley do seu mp3 e cantarolamos para um grupo de teenagers americanas que estavam ali sentadas connosco.Connosco estava também um rapaz da República Dominicana, depois da conversa com o americano ambos começaram-me então a fazer perguntas sobre o meu país ao que eu ia respondendo com entusiasmo enquanto eles limitavam-se a fingir estar interessados no que dizia,ia apercebendo-me de tudo isso mas nem assim conseguia resfriar o meu discurso, já que as americanas pareciam por sua vez estar atentas e sorridentes a tudo ao que eu dizia. Na noite de despedida em Amsterdam era para ter ido ver um concerto da banda belga dEUS no salão de concertos Paradiso, só que infelizmente acabou por ser cancelado devido a problemas de garganta do vocalista e enquanto passeava-me pelos canais pela última vez um vagabundo tentou cravar-me trocos, tentando mostrar-se mais poliglota do que realmente era, apercebi-me logo disso e acabei por não ceder aos seus constantes e quase insuportáveis pedidos, quando me sentei num banco perto do Damrad para enrolar um cigarro, mais uma vez acabei por ser abordado por um tipo estranho e calado limitando seapenas a sentar-se mesmo ao meu lado, com um sorriso, sem proferir uma palavra, só sentia a sua respiração quase suspensa e atenta a mim...levantei-me imediatamente...Durante o último dia assisti também a um despejo de uma casa de okupas com todo o aparato da polícia de choque, com os seus escudos, bastões e capacetes em contraste com um grupo de cerca de 20anarkasmagrinhos que se limitavam a fazer os seus gritos de ordem,isto com os média a tentarem não perder pitada e um helicóptero visionando toda a operação através de um espaço aéreo. Achei tudo aquilo ridículo e quase surreal para um país que tanto vendia a imagem de liberal e permissivo, com talk shows em horários nobres com várias personalidades experimentando todo o tipo de drogas existentes e relatando depois os seus efeitos em directo, um verdadeiro prato de estupidez servido pelos média holandeses, com todas aquelas “vedetas televisivas" servindo de cobaias, tudo transpirava a hipocrisia e a máscara do controle policial caía ali naquele momento o que me fazia aperceber que Amsterdam apesar de ser uma cidade fascinante, a Veneza do Norte como alguns a chamavam, não era exactamente o reino dos "Paraísos Artificiais" que se idealiza na adolescência. A aventura terminou quando optei por ir para o aeroporto por volta das 03h00 da manhã terminando assim com os meus quase dois meses de viagens, na minha mente já não pensava sequer em português, transportava uma miríade de rostos e idiossincrasias , sentia-me mais forte e rico pois havia conseguido sobreviver sempre com poucos meios. Perfeita foi a minha companhia no avião para Faro. Era um feriado importante na Holanda e existe habitualmente um número razoável de holandeses já de uma certa idade que se deslocam nessa altura ao nosso país, atraídos pela qualidade da vida rústica do turismo rural das vilas alentejanas. Entretanto o senhor que se sentou a meu lado era médico sem fronteiras e foi-me partilhando algumas das suas histórias e experiências de vida que como viveu por exemplo na altura o tsunami na Tailândia. Esta última viagem passou-se fugazmente e despertou-me para a importância da medicina nas nossas vidas e como felizmente para nós continuam existindo estas pessoas, sempre predisposto para ajudar, os verdadeiros "bodhisattvas" entre os outros, benditos sejam então, se não fosse o facto de elas também viverem entre nós muito provavelmente já não existiria mundo.
Obrigado.
Ed van der Elsken
O fotógrafo e realizador holandês que retratava a "sua" Amsterdam em 1983, retrato esse que podemos ir visualizando numa série de pequenos vídeos que para já vão estando disponíveis no You Tube.
Uma verdadeira preciosidade que vale sempre a pena espreitar.
“What is my joy if all hands, even the unclean can reach into it? What is my wisdom, if even the fools can dictate to me? What is my freedom, if all creatures, even the botched and the impotent are my masters? What is my life, if I am but to bow, to agree and to obey?
"I am done with this creed of corruption. I am done with the monster of "we"
"I see the face of God and I raise this god over the earth, this god whom men have sought since man came into being, this god who will grant them joy peace and price.