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quinta-feira, 24 de maio de 2012

Diários de bordo - A antiga estação de comboios

 Antiga estação de comboios





                                                                               
  A brisa primaveril num campo florido, o chocalhar das vacas e todas as conversas entre pássaros e insectos. 
O cigano e a sua égua trotam pela estrada na direção inversa. Minutos depois sento-me à sombra de uma árvore para tentar desenhar a estação de comboios abandonada da vila. O barulho da locomotiva lá ao fundo a atravessar essa linha faz me recordar o pano bordado pela minha bisavó com um pequeno comboio a vapor, o pano que os meus avós utilizavam quase para pôr na cesta do pão ainda bem quentinho enquanto ceávamos. Durante as férias de Verão juntamente com os restantes rapazes na vila por vezes brincávamos perto da estação abandonada. Havia algo de Mark Twain nas nossas brincadeiras junto à linha do caminho-de-ferro ou nos cigarros fumados às escondidas no celeiro abandonado. Para o rapaz da cidade que eu era, surgia assim muitas a oportunidade de sonhar ser como Huck Finn junto dos outros rapazes da aldeia. Ao regressar destas memórias o meu pensamento centra-se de novo no céu azul e os meus olhos perdem-se observando as aves que sobrevoam o horizonte. A paz e tranquilidade de uma natureza não profanada, percebo de novo assim quanto tudo isto é valioso. Por estes lados ainda não existe o stress das cargas horárias nem a devastação dos piratas do asfalto. O regimento das grandes cidades ainda não chegou cá, a famigerada autoestrada do progresso parou no sinal intermitente do espaço e do tempo
(por aqui planeia-se uma autoestrada para breve, algo que é visto com agrado pelos habitantes da vila por ser propicio a mais postos de trabalho).
    À sombra desta árvore esqueço-me de quem supostamente sou, sinto-me como se tivesse lúcido mas ao mesmo tempo amnésico, sei quem sou, visualizo nitidamente todas as memórias mas não me recordo mais de quem era antes. É como se tivesse acabado de ler um livro que contasse histórias da vida de um outro alguém.
   Um pastor, velho conhecido da minha família mais o seu fiel amigo, o cão, passeavam o rebanho pela estrada. A bengala ajuda-o a suportar o peso dos anos e uma nostálgica tristeza transparece através do olhar e no timbre da sua voz, são olhos fustigados pelas ávidas labutas campestres que só o manto de pele que carrega pelos ombros pode servir de testemunha. O manto representa a fidelidade de gerações às lides pastorícias, muito provavelmente já o seu pai o era, tal como o seu avô.

   
É assim a vida por estes lados, mudam as gerações mas as tradições mantém-se inalteráveis, talvez atrasado esteja só mesmo declínio de outros pontos, talvez esses mesmo declínio nunca chegue mesmo cá.
   Singela e intemporal como os dias que por aqui se passam, a antiga estação de comboios, abandonada e em ruínas, paira lá bem ao fundo do horizonte,
E torna-se tão fácil entrar numa viagem temporal, imaginando todo os antepassados daqui a virem buscar os seus familiares nos típicos calhambeques, conduzidos por senhores em fatos característicos, com os seus chapéus de coco, bengalas e os bigodes aparados e os cabelos inundados em brilhantina e as senhoras e longos vestidos protegendo-se do sol com as sombrinhas, tudo numa alegre romaria ao fim de tarde.
  



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