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quarta-feira, 21 de novembro de 2012

cidades adoptivas




relembra-me de novo
essa antiga cidade
babilónia de flores e de cal,
de quando partilhamos 
o vinho de poetas 
e todo o circo sentimental,
a que nos rendíamos sempre
antes de regressarmos 
pelas névoas da volúpia

(na tentação dos corpos sem rumo nem idade)

recordas me a nossa cidade natal
embarcando no expresso 
da minha imaginação erótica

um encontro 
numa qualquer avenida 
um ataque cardíaco provocado pelo excesso
 ou apenas mais outra briga de bordel 

sem mais assunto
para a conversa de cinéfilos
sem cigarros 
e nem sitio para dormir
as donzelas oferecem-me o abrigo
e eu desmonto a trouxa 
aceitando todo o calor humano
no encouraçado abrigo de mim mesmo.



terça-feira, 20 de novembro de 2012

se os meus pássaros voassem




Se os meus pássaros
voassem 
ao ritmo das tuas ancas 
esperança que perdura,
na imensidão das insónias.
relembrando me
todos os passos
esquecidos
no secreto inventário dos deuses.

Se os meus pássaros
voassem 
entre as feras soltas deste circo
entre os cavalos cansados
que bebem deste rio
sobre a crista das ondas
que se elevam
ou apenas nesta valsa
que se dança sozinho.

Se os meus pássaros
voassem ao ritmo 
da lucidez
que se vai esbatendo por
estas trevas.
Cantando versículos,
como que de novo nomeando
a beleza profética no teu olhar.

Oferecer-te-ia
um ritmo novo,
uma dança
um sacrifício ao luar,
e como quem colhe um vestido
responderias
a cada carícia 
com uma carícia
cada apreço
como uma dádiva
respondendo até amanhã
na alvorada
sempre com um sorriso
sentenciado à luz das manhãs.
Quando os pássaros
vêm pousar na minha árvore
oferecem-se
excêntricas flores prateadas
e os lábios
cerram-se com um dedo
no ocaso das palavras
apenas para entregarmo-nos de novo
à lascívia de nossas mãos  .
Quando os pássaros
vêm pousar na minha árvore
vertem-se lágrimas circunscritas
em torno da noite
esculpindo memórias.
Quantas lágrimas mais serão precisas 
para germinar um sonho?!

Asa glaciar ferida.
Hoje, nenhuma paixão
 reconfortante nos salvará
E no entanto, todos os pássaros
seguem cantando baixinho,

a volúpia da tua Atlântida.







segunda-feira, 24 de setembro de 2012

build me a woman - The Doors



Still trying to find the shape of his "perfect" woman


Give me a witness, darling.
I need a witness, babe.
I got the poontang blues.







I got the poontang blues.
From the top of my head to the bottom of my cowboy shoes.
Build me a woman,
Make her ten feet tall.
You got to build me a woman,
Make her ten feet tall.
Don't make her ugly,
Don't make her small.
Build me a woman,
Make her ten feet tall.
You got to build me a woman,
Make her ten feet tall.
Don't make her ugly,
Don't make her small.
Build me someone I can ball
All night long.

sábado, 25 de agosto de 2012

beatitude










As cartas das cartomantes
falam-me de ti,
as imagens recorrentes
elevam-me até ti
desde o foco de luz
que a janela deixa transparecer
todo o traço rudimentar,
com que tento desenhar
o teu rosto 

o amor como sempre
foi repentino à chegada
e tal como a morte
nutri-me dos seus mistérios
incessantemente debatendo-me 
com as suas forças e destrezas 
e por vezes cruas realidades 
os opostos atraem-se obséquios 
as flores silvestres despontaram      
e mesmo depois da navalha que brandiu 
entre obscuros dias, deixaram nos com o seu perfume

a fuga até aos pontos mais recônditos 
na lucidez do mar silêncio
como quem finalmente saiu da caverna de Platão
tornando-se o primeiro discípulo ao luar 
dos seus sentidos despertava novamente a beatitude 
entre a discórdia do mundano
e a eterna busca pelo divino.












quarta-feira, 25 de julho de 2012

let it kill you





Max Ernst

through every night
it kills me
your endless trace
which I follow
from body to body
in this maze


to seek harmony
in your power of individuality,
 flavor and sensuality


in another
midnight ride
i'm looking for her again
looking for her tonight


sipping
all the nectar
to burn memories
in a new distress
all life on the edge
but never look down
never look down
or cease to find love
a cure too pure
too vain
in this gain


terça-feira, 17 de julho de 2012

Diários de Bordo - Brugges (ela chamava-se Betty)

O comboio partia de Paris. todas as imagens apenas se trocavam continuamente como fragmentos de superstições ao ritmo das sextas feiras. Na dança da vida, deus tornava-se presente entre palavras órfãs. Indolente e carnal hoje resolveu assim aparecer, como um vulto que se deixa seduzir pelas nossas sórdidas memórias. Ínfimas palavras floresciam, vagas e difusas como sempre...caros desprezados filhos e filhas da vontade do amor. Optei por isso, em vez de me perder nas memórias de imagens das belles femmes parisienses por voltar a focar-me aos poucos neste comboio e nos rostos de que me tinha tentado abstrair ao seguir olhando pela janela. As ruas precisam de mais luz, pensava eu relembrando Barcelona e o dealer chileno que só fazia o que fazia porque sonhava em tirar a sua companheira brasileira da prostituição. A verdade é que são estas as canções que nunca ninguém se dispõe a ouvir… e seguia assim sorrindo para dentro de mim mesmo, sorrindo sarcasticamente do drama nas alturas em tudo nos parece estranho como um soco no estômago ou como um efeito retardado de uma qualquer droga desconhecida. Apenas conhecia o sul de França e as paisagens nocturnas de Langedoc-Roussilon e agora novas e dispersas paisagens se apresentam assim num lento descortinar distante de tudo o que te era familiar. Um novo começo...talvez digo eu. Pensamos tantas vezes no processamento dos dias até que a morte se sature de nós. Pensamos em ser. Nunca apenas em parecer. Domar o mundo. Ao mesmo tempo que somos tomados uma vontade indomável de loucura. Queremos ver tudo num só vislumbre e sentir isso tudo também de forma translúcida nos olhos da pessoa amada. No entanto dessa plenitude perdura sempre apenas esta réstia de memórias insípidas que te acompanham nas tuas viagens. Nunca consegui entender realmente o motivo porque se viaja, nem sei se haverá necessariamente algum motivo mas a existir seria certamente esse o tal segredo que todos eles aqui pareciam ignorar enquanto me observavam. Haverá no entanto sempre algo mais...algo de efémero e triste na forma como todas as pessoas cruzam-se e separam-se nestas linhas da vida. Senti-o novamente, por exemplo quando mudei de comboio no norte de França ao despedir-me das duas espanholas de Andaluzia que foram a companhia em grande parte da viagem desde França até à Bélgica...eram duas estudantes de Erasmus que das quais não me separaria sem antes lhes fazer a promessa de as ir visitar a Málaga. Mais uma das inúmeras promessas que deixarei por cumprir. Sentindo tudo novamente sem o esperar enquanto saía do comboio, como Jean Pierre Léaud num qualquer filme de Truffaut. Com um qualquer filho de uma obstinada esperança numa serena fim de tarde solarengo. Era Nord-Pas-de-Calais que contrasta com o clima quase sempre sombrio que encontrei em Paris. Não que o mesmo clima não fosse o mais indicado para a cidade em questão mas esta mudança repentina de cenário era uma felicidade espontânea que nos transportava pela cidade e através deste clima de uma primavera de Outubro. Sentei-me no parque fumando e apercebi-me de quanto eram diferentes as fachadas das casas e o formato das ruas. Era a característica arquitectura flamenga. Convém referir que Lille na língua flamenga se pronuncia Rijsel. E Rijsel tem corpo e alma de uma cidade belga embora mantenha uma identidade francesa. Por sua vez quando entrei no simpático país belga tinha em mente sair em Gent mas, improvisando um pouco não resisti ao apelo que Brugge me fez pela janela, não hesitei quando saltei do comboio. Pedi um mapa da cidade ao vislumbre do primeiro quiosque que vi à saída da estação e percorri toda a cidade em sentido diagonal. A primeira impressão dos belgas foi muito positiva. Estava habituado a lidar com holandeses e estes sempre desprezavam um pouco os seus vizinhos belgas, a rivalidade entre ambos os povos pelo que parece assim o obrigava. Os belgas por sua vez transpareciam me sempre a ideia de tipos humildes. Mas a grande surpresa estar-me-ia reservada no centro ao dar me de caras com uma pousada junto aos canais na parte antiga da cidade. Desenhavam-se sorrisos entre as conversas de bar e entre as cervejas belgas e os fumos dos cigarros, onde gostei de ouvir o português falado pela primeira vez em semanas através de uma bela brasileira de Belo Horizonte que conversava com duas espanholas que por sua vez planeavam ir a Lisboa. Fiz a minha primeira deambulação pela cidade conversando com um mexicano chamado Robélio e um canadiano chamado Stuart. Ambos viajavam juntos desde Bruxelas e Stuart já se tinha comprometido a substituir a pequena e simpática rapariga loira de dreadlocks da recepção que desejava mudar-se para Inglaterra juntamente um outro tipo da pousada. Stuart tornara-se chato com os seus constantes interrogatórios no que à cultura musical dizia respeito por sua vez Robélio que ia mantendo o seu low profile falava-me sobre o seu país e das viagens que fez com amigos pelos Estados Unidos. Ficava cada vez mais interessado no que ele tinha a dizer em contraste com o discurso sempre pretencioso de Stuart que já apenas praticamente ignorava. Com é que estes dois se davam tão bem e viajavam juntos já há alguns dias era o que me intrigava. Quando regressei à pousada e enquanto me barbeava num lavatório no nosso quarto misto reparei que uma rapariga observava-me atentamente. A primeira coisa que me perguntou foi "Do you do Yoga?!".Contou-me depois a sua história de vida e disse-me que tinha vindo de umas férias na zona da Baviera com o namorado, só que ele teve que voltar mais cedo. Através da sua face rubra e meio embriagada o seu discurso atabalhoado aos poucos tornava-se cada vez mais ternurento aos meus olhos. Era transparente de uma forma a que já não estava habituado. Deixei-me facilmente seduzir por ela. Fumamos os nossos cigarros enquanto observamos o luar no pátio da pousada. Sempre com sorrisos cúmplices, sempre com vontade de algo mais. Fomos dormir. No dia seguinte antes de eu ir para Gent ela contou-me uma história de uma cantora italiana que se suicidou e cujo o nome não me recordo agora e na despedida cantou-me a canção dessa mesma cantora, ela estava na sua bicicleta e eu ouvia a de mochila às costas. Parti assim com o peso de mais uma despedida sobre os meus ombros e ligado de novo ao mundo à minha frente.
Ela chamava-se Betty.


 





segunda-feira, 16 de julho de 2012

divinity in wilderness (mi divinidad del desierto circular)



winds of Fedra,

in rage

whistling 

through a somber stage


we stare

through her ethereal visions,

the past will now asunder 

with fair devilish precision

from where our human fragility

crumbled

and humbled us 

to ease 

an unholy litany

the only sound in the air

breathes in our spirits, invisible and fair

muttering 

through savage's homes

and underground passages

into a shelter made of dry bones


we leave the offerings 

to praise  

homewards, where this thirst still burns

envoys from beyond 

deny us nothing

nothing is more 

than sand 

slipping through 

my hand

since 

i saw you around


a heart attack , a glass house 

were the hurt and rust is kept


feed the flow 

of the soundscapes 

in mighty landscapes

to astound

the merry priests 

in timeless images of their feasts

a rite of alchemists

to evoke her solemnly

into us

a map of souls

written in ancient scrolls

large scrolls that we recite

as we traversed through the halls


-to where all queens once dwell











 

segunda-feira, 2 de julho de 2012

a esfinge de calipso








um sonho lúcido

para libertar

 as almas num voo de pombas

entre as fissuras das muralhas

que nos impedem de amar.

i



As harpias
cantam 
os versos enfeitiçados.
A neve caí
sobre os corpos cansados. 
Madressilvas
entregues aos ventos
na aurora-boreal do esquecimento.

ii

O mistério esse permanece
adensando-se, incógnito
e o seu coração 
é um livro caro leitor,
um livro que vos tento descrever. 
A loba mãe e a filha
que nos bosques 
devoram todos os comuns homens,
a quem lhes fizeram
promessas de imortalidade.






     

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Diários de Bordo - Impressionismo em Paris

                                                                     
 Perante a inesperada expectativa de uma mulher com ares de modelo em que eu lhe comprasse um quadro que não passava de uma imitação barata dos pintores do impressionismo talvez Degas não me recordo agora, isto numa loja no bairro chique de Marais eu disse-lhe que pretendia um dia tornar me uma personagem de banda desenhada...não, agora mais a sério, sorri como um bom cavalheiro e arrepiei caminho.
  Sem as pretensões elitistas de grande parte das pessoas que se cruzavam pelo meu caminho, homens calvos e baixos de fatos Armani com modelos loiras altíssimas, lojas com fachadas Art Noveau...enfim é Paris, França. Longe vai o tempo dos guerreiros gauleses como Vercingetórix que cobriam os cabelos com banha. Nos bairros mais suburbanos povoados por marroquinos, argelinos e restantes povos do norte de África o sentido estético destes não deixava de ser estranho, quase egocêntrico, americanizado, as marcas de roupas que encontramos nas feiras cujo os rótulos se assemelham aos que são feitos na América...o que nos deixa com a ideia de que este tipo de franceses procurava ser uma imitação não assumida apenas por orgulho tolo dos americanos, não o típico gaulês atenção...esses eram como os pequenos gauleses loiros de olhos azuis que brincavam junto ao Centre Pompidou, ou como o pai rude no olhar e na fala que segurava a criança ao colo no comboio nocturno que fazia o percurso de Hendaye até Paris. Vi tipos bem vestidos que parecem me o Luis Garrel de mão dada com tipas loiras aos caracóis cujas feições lembravam-me Sophie Marceau isto no Quartier Latin ao olhar para a montra de uma livraria vi também uma mulher sexagenária a passear o seu cão,uma mulher que podia muito bem passar por uma qualquer actriz reformada como Jeanne Moreau ou Brigitte Bardot e até as esbeltas garçonettes dos cafés me lembravam actrizes de cinema, sentei-me no primeiro andar do Les deux Maggots só para sentir a perspectiva de onde Hemingway escreveu o seu A Moveable Feast isto entre os olhares de desdém dos turistas americanos e até dos empregados que olhavam para as minhas calças de bombazina quase desbotadas e  ar de vagabundo, fiquei um ou dois minutos a contemplar essa mesma perspectiva e a imaginar-me no lugar do escritor até que fugi, antes que o empregado me viesse perguntar se queria tomar alguma coisa, algo que já tinha feito por exemplo no Martinho da Arcada em Lisboa onde me sentei no mesmo lugar onde Fernando Pessoa tinha o hábito de se sentar, o lugar do retrato de Almada Negreiros. Voltando de novo a Paris, devo confessar que sentia-me mais desenvolto quando sair de noite fazia tudo mais sentido, tornava me mais desenvolto, mais sensível ao saudar nocturno da cidade, que era muito próprio e individualista, de beleza inconfundível sempre, sensual, delicada...isto não é nenhuma novidade visto ser a cidade do absinto cantante e das bailarinas de Cancan que ficaram imortalizadas pelo pequeno/grande Toulouse - Lautrec, torna-se assim fácil perpetuar-nos numa tela a preto e branco e quase imaginarmos a Jean Seberg a dizer "New York Herald Tribune" nos Champs- Élysées. Tenho vindo a encontrar alguns portais através desta minha estranha viagem. E cada vez mais apaixono-me por esta dama que distintivamente nos faz perder nos seus segredos, esta cidade vulnerável que se parece aos poucos apoderar da tua alma. E eis que paro de novo junto do Sena e do cansaço de andar de mão dada com todos os fantasmas do passado, sinto os fluírem lentamente por mim, como que exorcizados e livres e para isso  bastava-me apenas cerrar os olhos sentia-me ainda enclausurado em mim próprio muitas vezes e as pessoas pareciam notar isso, como foi o exemplo o caso de um simpático e  atencioso casal americano alfarrabista que terá 
tentado depois aprofundar uma conversa comigo sobre o Socialismo e certos movimentos libertários. Confesso que se calhar também na altura não teria ainda toda a informação para falar abertamente sobre esses assuntos. Por sua vez parava para fixar-me durante alguns minutos em todos quadros antigos a preto e branco de uma loja de antiguidades que me causaram fascínio ao mesmo tempo que intimidavam. Um outro alfarrabista, este francês depois de me perguntar se eu escrevia oferece-me flyers de concursos de escrita criativa. 
Uma loja de utensílios de Absinto e de cartazes art nouveau, tudo na mesma rua algo me fazia sentir de facto estar na zona certa da cidade.



sexta-feira, 15 de junho de 2012

os teus sonhos destilam o meu vinho





entre
os dois mares
que se navegam
e as terras
que nos segregam

todos os sonhos
seguem alimentando-se
na espera
aonde um gosto acre a morte
já exaspera

esse calafrio sem voz
que seduz
corpo da mais obscura leveza
que nos conduz.

há no entanto
uma outra voz no esquecimento
uma sombra
que se move pelo firmamento
insurgindo-se
pelas horas tenebres
em que os filhos furtivos
resolvem escolher
a noite.

em cada conto
eu escuto
à tona de agua
enigma primaveril
sou o filho pagão
que a loucura tece
e atordoa
sem princípios,
nem um fim

em cada conto
invocando um reencontro
nas estâncias oníricas em que se revelam
pelos labirintos de Dédalo.

aonde trovas se cantam
aos nossos
corações exilados.

lava assim de novo,
o teu olhar na penumbra
e teme
pelo incendiário
delito dos sentidos.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Quarto Minguante

Costuma-se dizer que a lua é mentirosa.


segunda-feira, 11 de junho de 2012

a pledged way











unveil 
a path to nothingness 
again,
the direction 
is hidden in the soil 
( the stones are now cast)

tune it now,
that mysterious dance
through the alienation
that took us 
by chance

tune it all,
all at the same heart beat.

on the steeple 
the word and the fiddle
meanders to touch them
smoothly 
there, where it hides the sun
burning roupes to eternity
honest voices in a trance
it all sounded mild 
in the borderlines
of a new orphan star

spiritual mother,
remarking trails
reclaiming the wisdom, 
breaking all our imaginary prisons
a bit of stardom, from you my lover
a bit of dirt, underneath my nails























quinta-feira, 31 de maio de 2012

Diários de Bordo - Barcelona





Finalmente um pouco de descanso! Nem acredito que seja já 5ªfeira. Saí 2ª feira de manhã directamente para Sevilla, tendo chegado por volta das 13h30. Durante o percurso no autocarro aproveitei para ler o clássico do Hemingway sobre a guerra civil espanhola "Por quem os sinos dobram". A forma como Hemingway conseguiu captar o carácter caloroso dos espanhóis como se fosse um deles e ao mesmo tempo distanciar-se como o estrangeiro era torna-se sem duvida uma das virtudes deste livro. Levei várias semanas adiando a viagem retido por burocracias à espera do dia em que pudesse finalmente concretizar a fuga. No primeiro dia em Sevilla conheci uma rapariga madeirense, que curiosamente também vivia em Faro e embora nunca tivesse tido o privilégio de a conhecer por lá tal como a personagem no livro de Hemingway também se chamava Maria. Quando ela entrou no autocarro ainda fiquei na expectativa que se viesse sentar no lugar que se encontrava vago ao meu lado. Mas ela limitou-se a passar por mim sorridente e foi de isentar-se no banco de trás e entretanto para aumentar mais o meu desconsolo, um grupo de noruegueses entra na paragem seguinte, tendo o mais obeso sentando ao meu lado.Durante as 3 horas seguintes praticamente não me consegui mexer, como sol de fim de verão andaluz fustigando me pela janela. O tipo norueguês tornava-se realmente incómodo, restava-me o meu olhar desconsolado  para Maria, ao qual ela respondia com um leve sorriso trocista, como que entendendo o meu desconforto...após os devaneios sevilhanos que acabaram por valer apenas por revisitar a Plaza de España, as cerca de 4 horas debaixo do maldito calor desidrataram-me completamente. Estava de volta à estação dos autocarros, ressequido e cansado, esperando pelo autocarro para Barcelona quando a vejo sentada sozinha à entrada com um ar bastante preocupado. Ela dirige-se a mim,insegura, pois tinha acabado de perder o autocarro para Málaga e via-se forçada a ter que pernoitar em Sevilla. Pobre miúda, se não fosse o facto de ter logo comprado o bilhete do autocarro para Barcelona e teria calorosamente aceite aquele convite para ficar com ela, poderíamos ter passado a noite ao relento conversando nos bancos dos jardins andaluzes, ou então quem sabe até a fazer amor nalguma residencial recôndita na Calle Sierpes. Por breves momentos poderíamos assim esquecer toda a amargura de dois seres solitários neste vasto mundo.
Tinha finalmente começado esta viagem-revelação de como todo este mundo não passa de um sonho esperando por nós... desejoso de ser vivido em toda a sua plenitude.
   Ao vislumbrar Barcelona de autocarro, o smog cobria o horizonte ainda distante desta cidade, que tinha a curiosidade de se situar ao mesmo tempo entre as montanhas e junto do mar. Barcelona poderia ser uma possível futura capital desse reino europeu que parece estar na forja já à algum tempo, se a União Europeia por alguma razão algum dia se viesse a tornar nos Estados Unidos da Europa a capital deveria chamar se Barcelona, nem Copenhaga, nem Berlim, nem sequer Madrid. Penso isto principalmente pela localização periférica. No entanto  a capital catalã é de facto uma cidade muito própria, antiga e ao mesmo tempo moderna, liberal e jovem  surrealista sempre como se houvesse um pouco de Gaudí, Miró ou Dalí em cada avenida. Quatro pessoas viriam a marcar-me profundamente, quarto possíveis irmãos noutra encarnação,companheiros de viagem que muito provavelmente não voltarei a ver, pois apenas a brevidade dos dias poderia permitir tais ligações que embora efémeras serão certamente mais marcantes que a maioria que por vezes temos no nosso quotidiano. Ao chegar à pousada, quando tentei dirigir-me à recepcionista com o meu péssimo castelhano, ela sorriu-me e falou em português com sotaque brasileiro, mais tarde estava deitado na parte de cima do beliche, embrenhado no que me restava ler do Hemingway,quando entra um tipo de rastas, trazia também o seu vinho numa garrafa de plástico e um stick que utilizava para fazer o jogo do "devil stick" com fogo nas ruas, servindo lhe de sustendo,quando este tentou dirigir-se a mim no seu péssimo castelhano, naturalmente que sorri também e disse-lhe "podes falar em português comigo". Uma amizade curiosa esta a que travei com ele, dois sonhadores uma demanda por algo mais do que material criamos forte empatia e falamos de tudo o que era relacionado com misticismo, espiritualidade, Lsd, meditação etc. O I. conhecia a cidade pois já lá tinha vivido alguns meses, curiosamente nunca tinha estado no Oceanário junto ao porto marítimo de Barceloneta. À medida que I. ganhava confiança e desenvoltura no seu diálogo comigo,ia também aos poucos confessando pormenores íntimos das sua viagem que tinha como objectivo principal ir até à Turquia, quando trocamos moradas ele prometeu dar-me todas as novidades assim que chegasse ao destino, embora pela maneira como esbanjava facilmente o dinheiro tanto em bebida como em roupa, principalmente chapéus, eu ficasse duvidando que se alguma vez ela terá conseguido chegar ao seu destino. Quando tentava interpelar-lhe e chamar-lhe à atenção por isso, ele limitava-se a sorrir e a mostrar a sua flauta para tocar na rua, como que dizendo "no worries mate!". Quando regressamos à pousada, um homem sexagenário entrava connosco na habitação,estava bastante revoltado e falava sozinho,tentava disfarçar o seu desconforto por nos ver ali com o seu péssimo castelhano com sotaque brasileiro, eu e o I. automaticamente olhamos um para o outro e desatamos a rir pois percebemos naquele instante que a brasileira da recepção estava a tentar juntar todos os nativos do português no mesmo quarto. Era o J., antigo repórter fotográfico brasileiro que voltava da Alemanha de onde tinha assistido ao casamento da sua filha. E que histórias impressionantes nos tinha para contar, desde a vez que esteve em Cuba numa conferência e do privilégio que foi conhecer Fidel Castro,ele tornava-se assim um pouco como a personagem daquele avozinho da nossa infância que nos contava histórias. Foi casado 6 vezes e desejava agora ir a Portugal para procurar uma antiga paixão portuguesa, era um romântico e só para ouvir as suas histórias de amor já quase valia a pena ter feito esta viagem a Barcelona. No dia seguinte J. travaria conhecimento com E., espanhola de Madrid que tinha vivido e estudado em Tomar .E o nosso "Band à Part" estava assim completo. Era um contraste interessante aquele que havia entre J. e E.,ao qual eu ia assistindo quando nos dirigíamos para a Casa Batló, depois da nossa visita à Sagrada Família. E. vivia certamente a amargura de uma separação recente e isso notava-se no seu timbre de voz e na descrença que afirmava manter acerca do acerca do amor, mas simpatizou imediatamente com J. Durante a noite fomos aos bares do Bairro Gótic e lembro-me carinhosamente destes momentos, até à despedida do J., que foi o primeiro de nós a partir, na madrugada do terceiro dia.