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quinta-feira, 14 de maio de 2020

j. vivia no prédio em frente


Ela chegou e todos sem excepção não resistiam a virar as cabeças para um olhar de soslaio. 
Vários minutos sem reação e acendendo cigarro atrás de cigarro, finalmente tomei me de brios e resolvi ir então ter com ela.
Entre as amigas havia duas jovens.
Uma delas parecia estar particularmente agradecida pela minha súbita presença.
 - Seja bem-vindo meu caro, tenho uma recordação inesquecível de si- disse- recordando me um episódio em que no meio de um trânsito caótico teria me visto com uma velhinha a atravessar a estrada.
Evidentemente que a conversa não foi fluida, mas a amiga ajudou a quebrar o gelo.
 Então o Dj no bar irrompe silêncios com uma sequência de "sixties songs" 

..."Don't you love her madly", 
..."Kiss the boot of shiny...shiny leather" 
..."Sweet Loretta...though was a cleaner, but she was a frying pan"

De forma apaixonada e despreocupada começamos a dançar - movimentos dispersos, palpitante, o suor que lentamente escorria entre os sorrisos e uma embriaguez quase orgiastica.
Depois da música a serenidade, saímos para as ruas depois do bar fechar e agora era o tempo dos sorrisos cúmplices, tornava tudo assim cada vez mais próximo, assim como o nosso calor humano. 
Estava um frio de rachar e abraçamo-nos depressa.
- era a luxúria de uma última farra que nos levava agora depressa para casa.

..."Mother of mercy... wouldn't you take me into your womb?"

Tanta coisa que dantes foi tomada por certa e que nos desencontros da vida seguem passando por nós.
A uma velocidade incontrolável no atropelo dos dias. 
Dia após dia seguindo a um passo do abismo.
Vivendo na ânsia de viver o agora e a verdadeira vida ecoando sempre no além, no mais tarde, no inalcançável. 
A verdadeira vida estava de novo ali, finalmente, num momento que se tornava sentimento, vil, vulcânico e sem fins absolutos.
Lembras-te de como era tudo antes de outros começarem com todas as suas exigências de virtude.
Éramos sonho do próprio sonho sempre a um passo da humanidade. 
Ao lamento dos transeuntes respondemos com a indiferença de um encolher de ombros, seguindo nas nossas conversas apaixonadas. 
Ouvíamos todo um mundo sempre à margem daquele rio.
Nesta viagem pela descoberta dos corpos. Anseio absoluto despindo-se sobre mantos de cetim.
Como quem procurava agarrar na beleza toda a verdade das coisas. 



2046 é um filme de 2004 realizado por Wong Kar-wai

Confesso que ver filmes como os deste realizador natural de Hong Kong foi talvez o principal motivo para a criação do blog. 
Motivo que visava essencialmente por ir desenvolvendo pequenas histórias e contos eróticos. 
À boa maneira de realizadores como o Wong Kar wai. 
Com o decorrer dos anos esta ideia inicial foi se diluindo e dando lugar a outros temas, é verdade, custa a crer que já se passou no entanto tanto tempo desde a criação daqui do espaço.
 Não terei tido nem por sombras a oportunidade de ser tão produtivo como gostaria, eu sei disso mas o cinema sempre esteve e estará por cá presente.  
Das coisas mais positivas durante a minha experiência de vida universitária em Faro,  foi de facto o despertar para a importância de trabalhos de promoção feitos por espaços como os Cineclubes
Ou de outros espaços, propícios para pequenos eventos, como eram naquela altura o caso do Pátio de Letras ou o Draculea Café Bar.

A redescoberta do cinema de autor nesse período veio até mim e por cá ficou para durar. 



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